Dados divulgados por agências da ONU apontam que a crise na Venezuela deixou 3,7 milhões de pessoas passando fome. Em 2011, eram 900 mil famintos - número quatro vezes menor. Segundo a FAO, agência da ONU especializada em alimentação e agricultura, a proporção da população desnutrida na Venezuela caiu de 10,5%, em 2005, para 3,6%, em 2011. Mas, desde então, a alta foi constante. Hoje, o número é de 11,7%.
A informação coincide com uma ofensiva que o governo chavista faz no exterior para desmentir que o país viva uma crise humanitária. A ofensiva inclui encontros com governos aliados para impedir a aprovação de resoluções contra o governo do ditador Nicolás Maduro usando o argumento de que a situação está sendo manipulada para "justificar uma intervenção" estrangeira no país. Nos bastidores, o Grupo de Lima tenta conseguir votos para condenar Caracas no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Informações confidenciais obtidas pelo jornal O Estado de S. Paulo revelam que o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, tinha planos de se reunir com diplomatas de Quênia, África do Sul, Togo, Nigéria, Angola, China, Qatar e Arábia Saudita para pedir que não votem contra a Venezuela - ou se abstenham de votações.
Apesar dos dados, Arreaza denunciou nesta segunda-feira na ONU a ameaça de uma intervenção em seu país e alertou que a crise econômica está sendo "manipulada" e "promovida" para justificar um "golpe militar".
No fim de semana, o New York Times revelou que funcionários do governo de Donald Trump teriam se reunido em segredo com militares venezuelanos rebeldes para analisar um golpe contra Maduro. Em seu discurso, Arreaza disse que o tema de direitos humanos está sendo usado para justificar uma "intervenção multilateral".
Ajuda humanitária
Uma resolução sobre Venezuela que deve ser colocada em votação na ONU determinará que Caracas abra o país para a entrada de ajuda humanitária. Um rascunho do projeto obtido com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo revela que um dos principais objetivos do texto é forçar instâncias internacionais a monitorarem de forma permanente a situação no país.
Segundo o texto, os governos estabelecem que "o governo da Venezuela abra suas portas para a assistência humanitária para lidar com a falta de alimentos e remédios, o aumento da desnutrição, em especial entre crianças, e o surto de doenças que haviam sido previamente erradicadas ou estavam sob controle na América do Sul".
Entre os autores da proposta, poucos tem ilusões de que o texto faça Maduro mudar seu posicionamento. Mas, se aprovada, a pressão sobre o regime será incrementada, assim como seu isolamento político.
Nesta terça-feira, 11, o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, criticou o uso dos direitos humanos como uma "arma" para justificar uma possível intervenção no país. Segundo Arreaza, a assistência humanitária é "cínica". "Eles nos enforcam e depois querem nos salvar", disse, apontando as sanções americanas e europeias como a razão pela crise enfrentada pelo país. "Estamos em uma guerra econômica."
Numa apresentação diante do Conselho de Direitos Humanos, Arreaza afirmou que, apesar da crise, seu governo garante educação, saúde e alimentos aos venezuelanos.
Em nome do Grupo de Lima, a diplomacia do Peru explicou em discurso a resolução foi apresentada pois a Venezuela não demonstra sinais de que as violações estejam sendo resolvidas. "Nossos países já expuseram preocupação sobre a Venezuela, onde não há sinais de melhoria", alertou Claudio Julio de la Puente Ribeyro, representante de Lima. "Os venezuelanos continuam abandonando seu país", afirmou.
Socorro Flores Liera, representante do México, também criticou a situação venezuelana. "Lamentamos que o governo negue a realidade e que continue se recusando a cooperar. Isso levou um grupo de países a pedir que o Conselho intervenha", disse a mexicana, que copatrocina o projeto de resolução. Governos como o da Suíça e da Áustria, falando em nome dos europeus, também usaram seu tempo no Conselho para denunciar violações em Caracas.
Com a resolução, a meta é manter o regime de Maduro na agenda permanente do Conselho. Pelo rascunho do texto, a ONU fica instruída a produzir periodicamente relatórios sobre a situação de violações na Venezuela e levar o assunto de forma constante ao debate do Conselho, assim como situações vividas pelo governo da Síria, Burundi e Mianmar.
Silêncio do Brasil
Ao ler a declaração diante do Conselho, a diplomacia peruana citou os países que faziam parte da iniciativa. O Brasil ficou de fora, conforme o jornal O Estado de S. Paulo revelou na semana passada. O Itamaraty, porém, indicou que se a resolução for colocada em votação, apoiará o texto.
Momentos depois de o Peru falar, a embaixadora brasileira, Maria Nazareth Farani Azevedo, tomou a palavra no Conselho da ONU. Mas não fez qualquer tipo de menção à situação venezuelana.
A iniciativa do Grupo de Lima ocorre pouco depois de a chilena Michelle Bachelet assumir o comando do escritório de Direitos Humanos da ONU. Em entrevista na segunda-feira, Arreaza disse que a chegada da ex-presidente chilena ao cargo abre uma "nova etapa" na relação entre a ONU e Caracas. "Teremos fluxo de informação entre as partes", garantiu.
O objetivo da diplomacia venezuelana é desativar o argumento do Grupo de Lima de que Caracas não coopera e que, portanto, uma atuação maior do Conselho da ONU seria necessária.
Para mostrar proximidade com Bachelet, o venezuelano usou a data de 11 de setembro para lembrar que, nos anos 70, o dia marcou o golpe de Estado no Chile e que teve a família da alta comissária como uma das vítimas. "Assim como fizeram nos anos 70, os americanos querem repetir o golpe agora na Venezuela", disse.
Apesar das promessas, Arreaza não deu garantias de, depois de quatro anos, seu governo voltará a permitir a de missões do escritório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. "Já veremos. Primeiro, precisamos reconstruir a confiança", disse.
O chanceler, porém, faz questão de negar as notícias de que exista uma crise migratória e humanitária. "Na Venezuela, a saúde é para todos, o desemprego é de menos de 6% e a alimentação, apesar da crise, está garantida por meio de conselhos locais", disse.
Segundo Arreaza, seu país está "submetido a uma guerra econômica brutal". Ele nega, porém, a existência de um êxodo de pessoas deixando a Venezuela. "Não é uma crise migratória. É uma conjuntura", disse. "Eles saem por motivos econômicos. Não por razões políticas. Mas temos um plano de retorno e, em apenas uma semana, quatro mil pessoas voltaram", garantiu. "Eles foram explorados economicamente e sexualmente no Peru, Brasil e Colômbia", atacou.
Durante a reunião, Cuba também saiu em defesa de Maduro. Em discurso, a diplomacia de Havana criticou o Grupo de Lima, alertando que a iniciativa de uma resolução é "inadmissível". "Eles não tem autoridade moral para dar aula de direitos humanos", criticou Pedro Luis Pedroso Cuesta, representante cubano.