Faz três meses que o mercado estatal Bicentenário em Guatire, periferia a leste de Caracas, não é abastecido com frango, item até então poupado da escassez na Venezuela. A dez minutos de carro dali, outro mercado estatal, o PDVAL, ainda recebe frango ocasionalmente. Numa manhã recente, porém, o estoque era insuficiente diante da multidão amontoada no local desde a madrugada.
Parlamento quer rever Lei de Mídia do chavismo
O Parlamento venezuelano, de maioria opositora, começou a discutir uma proposta de reforma a uma Lei de Mídia, que, segundo ONGs locais, limita a liberdade de expressão - informou um congressista nesta quarta-feira.
“Abrimos a discussão na nossa comissão para a reforma dessa lei que permitirá racionalizar e regularizar as concessões para os canais de televisão e emissoras de rádio”, disse à imprensa o presidente da comissão de Mídia da Assembleia, o deputado Tomás Guanipa.
O projeto apresentado por dois jornalistas busca modificar a Lei de Responsabilidade Social de Rádio, Televisão e Mídia Eletrônica, promovida pelo falecido presidente Hugo Chávez (1999-2013). A lei é criticada por veículos privados e por ONGs que defendem a liberdade de expressão e de informação.
A própria bancada chavista na Câmara já modificou o texto no passado, incluindo limitações à Internet e endurecendo as restrições a rádios e emissoras de televisão.
Entre outros pontos, o texto estabelece sanções para a difusão de imagens que possam fazer apologia ao crime, constituir manipulações dirigidas a fomentar desordem, ou desconhecer as autoridades legitimamente constituídas.
Funcionários e soldados com fuzis explicavam que só metade das mil pessoas na fila poderiam adquirir a cota individual de dois frangos a preço regulado. Houve gritaria e empurra-empurra. “Nós nos comportamos como mortos de fome”, disse a dona de casa Susana Oshoa, número 379 na fila, conforme rabiscado em seu braço.
O desabastecimento atinge níveis recordes desde novembro, quando o caos que assola o país há anos deu salto repentino devido ao agravamento das crises econômica e política. Proliferam saques e pancadaria no comércio. Incidentes são filmados e propagados na internet.
Um dos temas mais urgentes é a falta de remédios.
Segundo um consultor da indústria farmacêutica que pediu anonimato, entre os 6.000 medicamentos registrados no país, menos de 450 estão disponíveis. O setor alertou informalmente a Organização Mundial da Saúde sobre o risco de uma crise humanitária.
Grupos de WhatsApp são invadidos por pedidos desesperados de remédios. Em rodas de conversa, o assunto quase sempre vem à tona. “Deixei de trabalhar por três dias para buscar um remédio necessário para um exame médico. Não achei, então cancelei o exame”, afirmou o comerciante Pedro Garcia, 72.
A escassez de remédios aumenta a preocupação com o zika. O governo admite 4.700 casos, mas médicos falam em dezenas de milhares.
A saúde pública também está em alerta devido ao racionamento de água anunciado em janeiro pelo governo, que culpa a seca, mas é acusado de ter sucateado a infraestrutura hídrica.
Em algumas favelas, a água só chega em caminhões. No prédio que abriga a Folha de S.Paulo, torneiras às vezes só funcionam duas horas por dia.
Inflação e crimes
A inflação fechou 2015 como a mais alta do mundo (190%) e caminha para quadruplicar neste ano, com previsão de 720%, de acordo com o FMI.
Preços de artigos não tabelados parecem surreais. Um quilo de tomate ou uma lata de atum custam 1.000 bolívares --10% do salário mínimo, de 10 mil bolívares, que equivale a US$ 10 na cotação paralela.
Há algumas semanas, a dona de casa Evelyn Cáceres, 43, fez algo que jamais imaginava: recolheu pimentões no lixo. “Me senti humilhada, mas tirei a parte estragada e cozinhei.”
Outro problema grave é a criminalidade. Caracas acaba de ser proclamada a cidade mais violenta do mundo (fora áreas sob guerra) por uma ONG mexicana que emite ranking a cada ano.
A noite de Natal foi a mais violenta de 2015 em Caracas, com 30 assassinatos. E, desde 2007, não havia janeiro com tantas mortes violentas.
Raízes do caos
Num país rentista que tem no petróleo sua virtual única fonte de divisas, a queda do preço do barril desde 2014 acirrou uma recessão consolidada havia tempo devido aos ataques do governo contra o setor produtivo.
Em 17 anos no poder, o chavismo expropriou centenas de empresas (muitas das quais hoje abandonadas), prendeu empresários e impôs controles de câmbio e de preços que minaram produção e investimento.
Sem dinheiro para importar e sem produzir, o governo acelerou a impressão de moeda e contraiu dívidas para tentar manter programas sociais e subsídios que são sua marca registrada.
Mas, segundo economistas, as medidas só pioraram a crise.
O castigo ao governo veio nas urnas. Em dezembro, a oposição ganhou com folga a eleição parlamentar. Promessas de mudança da nova maioria, porém, esbarram na resistência do governo, o que trava decisões anticrise.
Maduro diz que a crise é parte de uma “guerra econômica” e acusa a oposição de golpismo.
Dias piores são esperados. A oposição diz que não há um navio sequer trazendo alimentos ao país. O governo precisa reembolsar neste ano US$ 10 bilhões da dívida soberana. Mercados já cogitam um calote. O iminente aumento de gasolina gera temores de revolta. “Essa crise é muito pior que a do Caracazo”, diz um taxista ao citar protestos que deixaram centenas de mortos em 1989.
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