Após a queda do Afeganistão nas mãos do Talibã, muitos se questionaram sobre o que aconteceria com os grupos minoritários no país, que deve voltar a assumir a sharia, a lei islâmica, de um modo bastante estrito.
Os cristãos são um dos menores grupos do país. Não se sabe ao certo quantos cristãos existem lá, mas estimativas apontam entre 3.000 e 12.000 crentes, num total de 38 milhões de pessoas aproximadamente.
Antes mesmo do Talibã assumir o Afeganistão, a vida dos cristãos não era fácil. Dentro do ordenamento jurídico do país, a apostasia (ou seja, trocar o islã por outra religião) já era punida até com a pena de morte, de acordo com o relatório da ACN Internacional, ONG que descreve a situação de liberdade religiosa no mundo.
“O Cristianismo é visto como um religião ocidental e estranha ao Afeganistão. A opinião pública a respeito do proselitismo de cristãos a muçulmanos é abertamente hostil”, afirma o relatório produzido pela ONG em 2021.
O texto conclui que apesar de uma cláusula constitucional garantir a tolerância religiosa, aqueles que praticam abertamente sua fé cristã ou se convertem do islamismo ao cristianismo estão em risco.
Situação piora com o Talibã
Embora o porta-voz talibã, Zabihulla Mujahid, tenha dito em sua primeira aparição que concederia uma anistia geral ao país, para que a transição de poder pudesse ser realizada de uma maneira mais tranquila, na prática relatos de perseguição a pessoas que colaboraram com o regime anterior começaram a aparecer.
A BBC teve acesso a um documento da Centro Norueguês de Análises Globais RHIPTO, organização que fornece inteligência para a ONU, afirmando que “há um grande número de indivíduos que estão sendo alvos do Talibã e a ameaça é clara”.
Christian Nellemann, que chefia o grupo por trás do relatório, disse que o texto descreve que "a menos que eles se entreguem, o Talibã irá prender e processar, interrogar e punir familiares em nome desses indivíduos."
Pelo menos uma morte foi confirmada nestes termos, quando um parente de um jornalista da rede alemã de notícias Deutsche Welle foi assassinado por membros do grupo extremista islâmico que o procurava casa por casa.
Temores semelhantes se espalharam pela pequena comunidade cristã do Afeganistão.
Fugas e tentativas de ajuda
Um líder cristão no Afeganistão, cujo nome foi ocultado para sua própria segurança, disse à ONG americana International Christian Concern (ICC) que os cristãos estão sendo orientados a ficar em casa devido ao risco de se deparar com as patrulhas do Talibã.
"Alguns cristãos conhecidos já estão recebendo telefonemas ameaçadores", disse o líder cristão à ICC: "Nessas ligações, pessoas desconhecidas dizem: ‘estamos indo atrás de você’."
Will Stark, gerente regional para o sul da Ásia da ICC, disse ao Washington Times que as pessoas que não são conhecidas publicamente como cristãos estão sendo aconselhadas a mudar de endereço ou ficar escondidas por um tempo.
"Indivíduos com Bíblias ou literatura cristã foram instruídos a enterrá-las, descartá-las e se livrar delas. Porque se você for descoberto com isso, há uma preocupação de que isso poderia levar a morte", acrescentou Stark.
Teme-se também que o acesso a documentos do governo por parte do Talibã possa ajudar na perseguição a grupos minoritários.
O Pe. Jerome Sequeira, de 52 anos, presidente do Serviço Jesuíta para Refugiados, enviou uma mensagem a seus colegas dizendo que não conseguiu acesso ao aeroporto de Cabul, pois militantes do Talibã estariam controlando posições chave nos arredores e disparando ao ar para afugentar as pessoas. Os familiares do padre não quiseram dar muitas informações ao Times of India sobre a sua situação ou paradeiro.
Personalidades cristãs nos Estados Unidos correm para enviar resgate aos cristãos afegãos. O radialista Glenn Beck afirmou recentemente que conseguiu arrecadar US$ 20 milhões para ajudar “na retirada de cristãos perseguidos”.
O dinheiro foi depositado na conta da Nazarene Fund, uma ONG criada pelo próprio apresentador que tem como objetivo, segundo seu próprio site, “libertar os cativos, escravos e resgatar, reconstruir e restaurar as vidas de cristãos e outras minorias religiosas e étnicas perseguidas onde e quando eles estão em necessidade”.
Apesar de nenhuma morte de cristãos pelo Talibã ter sido relatada até agora, a preocupação com a vida deles no Afeganistão é real.