A primeira-dama argentina Cristina Fernández de Kirchner nem esperou a divulgação dos números oficiais para "colocar a faixa". Ainda com 10% das urnas apuradas, a candidata governista discursou como presidente eleita da Argentina aos seus correligionários, em Buenos Aires, na noite de domingo. Agora, apurados 94% dos votos, Cristina aparece com 44%, contra 23% da segunda colocada Elisa Carrió, e 16% do terceiro, Roberto Lavagna, o que garante sua eleição em primeiro turno. E a vitória governista não foi apenas na Presidência: a apuração dos votos para a Câmara dos Deputados, o Senado e os governos de oito províncias indica uma vitória esmagadora do "Kirchnerismo.
- Ganhamos com ampla vitória, talvez com a maior diferença entre o primeiro e o segundo candidato desde o advento da democracia [em 1983] - disse a senadora e candidata da Frente para a Vitória para a Presidência, após a divulgação dos primeiros dados oficiais.
A legislação argentina prevê que para que um candidato ganhe as eleições em primeiro turno deve obter 45% dos votos ou ter 40% mais dez pontos percentuais de diferença sobre o segundo colocado. Mas a líder de centro-esquerda Elisa Carrió demorou a reconhecer sua derrota. Ela aproveitou para criticar o governo pelo pleito marcado por déficit de mesários na abertura das urnas, atrasos na apuração e denúncias por falta de cédulas para votar nos candidatos da oposição.
- Autoridades segmentaram o eleitorado que participou do escrutínio, deixando de fora os grandes centros urbanos onde seguimos na frente - denunciou a candidata da Coalizão Cívica.
Elisa, que foi candidata à Presidência pela segunda vez, comemorou sua vitória sobre Cristina na cidade de Buenos Aires. Já na madrugada desta segunda-feira, ela parabenizou a primeira-dama pela vitória nas eleições de domingo.
- Apurados 45% das mesas eleitorais e 33% dos votos do país, a tendência confirma como presidente Cristina Fernández, e reconhecemos sua vitória. Damos felicitações.
Primeira mulher eleita presidente na Argentina, Cristina receberá de seu marido, Néstor Kirchner, a faixa presidencial no dia 10 de dezembro. O que, segundo analistas, confirma a aposta dos argentinos na continuidade da expansão econômica iniciada há quatro anos pelo presidente
Advogada de 54 anos, Cristina chega à Casa Rosada com a difícil tarefa de manter a política que levou o país ao crescimento apesar da inflação em ritmo acelerado que castiga duramente o bolso dos argentinos, da falta de investimentos em infra-estrutura, dos casos de corrupção envolvendo membros do governo e os elevados índices de criminalidade, entre outros problemas.
O projeto internacional de Cristina Kirchner é estabelecer relações com todo o planeta, mas isso implica no difícil desafio de manter, ao mesmo tempo, laços estreitos com Chávez, o líder da cruzada anti-EUA na América Latina, e com Washington, que ficou distante de Néstor Kirchner durante o seu mandato. Ela também herdará um conflito ambiental com o Uruguai, uma comunicação amistosa com o Brasil (embora haja tensões comerciais) e ainda uma relação instável com a presidente chilena, Michelle Bachelet, por causa da redução no suprimento de gás da Argentina ao Chile.
Assim que se tomou conhecimento das pesquisas de boca-de-urna, que já davam vitória à primeira-dama, tiveram início as celebrações no hotel em Buenos Aires onde os Kirchner acompanharam a apuração. Com a divulgação de dados oficiais, reuniam-se mais seguidores, com tambores e bandeiras argentinas.
Pinguins infláveis gigantes, que simbolizam o casal que fez carreira política na fria região da Patagônia, decoravam as ruas, onde correligionários dos Kirchner cantavam em meio a uma batucada.
- Ela será o mesmo que o marido, que fez um monte de coisas, como construir casas para os pobres - disse Ramón Reggie Quiroga, motorista de 50 anos, que viajou de Tucamán à capital argentina para os festejos.
Deserção de mesários, falta de cédulas e longas filas marcam eleições
A falta de mesários atrasou o início das eleições argentinas, previsto para as 8h (9h de Brasília), em várias zonas eleitorais, provocando grandes filas e tumulto em determinadas localidades. O problema foi causado pelo alto número de abstenções entre os convocados a trabalhar nas eleições. Segundo a Justiça Eleitoral, até a antevéspera do pleito, 92% dos mesários ainda não haviam confirmado presença ou haviam pedido dispensa. As "deserções" obrigaram as autoridades a convocar, às pressas, um grande número de voluntários.
A falta de cédulas de votação da oposição em algumas zonas eleitorais também provocou atrasos, desta vez no fechamento das urnas. Pela primeira vez na história do país, as autoridades eleitorais determinaram uma prorrogação da votação. O pleito, inicialmente previsto para terminar às 19h (de Brasília), só foi encerrado depois das 20h, para permitir que as milhares de pessoas que ainda aguardavam em longas filas, especialmente em Buenos Aires, pudessem depositar seus votos nas urnas.
O temor de que houvesse irregularidades na eleição (já que neste ano duas disputas estaduais foram questionadas pelos partidos derrotados) motivou a oposição a montar uma fiscalização conjunta. Dezenas de eleitores telefonaram às emissoras de rádio denunciando que não haviam conseguido votar por causa da falta das cédulas de partidos da oposição. A organização não-governamental Poder Cidadão, especializada no acompanhamento de instituições públicas, informou ter recebido mais de 200 ligações ao longo do dia.
Três idosos morreram em diferentes localidades da Argentina enquanto esperavam para votar.