Poucas horas depois de o Papa Bento XVI pedir à Virgem da Caridade do Cobre avanços no caminho da renovação e da esperança para a sociedade cubana, um dos principais nomes do governo descartou qualquer hipótese de reforma política no país, afirmando que o sistema da ilha é "inquestionável".
A troca de declarações resume uma viagem em que as autoridades procuram consolidar a imagem de regime aberto aos católicos e impulsionar bandeiras como o fim do embargo norte-americano, enquanto a Igreja se prepara para ganhar espaço em Cuba e criar as bases para um futuro pós-irmãos Castro.
Em uma entrevista no Hotel Nacional, sede da imprensa estrangeira credenciada para a visita do Papa, o vice-presidente do Conselho de Ministros e supervisor das reformas, Marino Murillo, deu a primeira resposta direta aos comentários do Pontífice, que antes de chegar ao país já havia dito que o comunismo não servia mais para o país. Na ilha, o Pontífice abrandou o discurso, mas manteve referências a presos políticos e exilados.
Murillo assegurou que o plano de 300 reformas empreendido pelo presidente Raúl Castro seguirá como a base para assegurar a sobrevivência do ideário marxista no país. "Em Cuba, não haverá uma reforma política. Em Cuba, estamos falando da atualização do modelo econômico cubano que faça nosso socialismo sustentável", disse, reiterando que qualquer mudança terá como premissa a permanência do socialismo.
O supervisor das reformas econômicas que deram aos cubanos o direito de comprar e vender casas e carro disse ainda que o governo está acompanhando as mudanças em outros países, como Rússia, Vietnã e China. A ideia, segundo ele, não é copiar fórmulas, mas evitar os mesmos erros.
Presos políticos
Durante cerimônia para homenagear a Virgem da Caridade do Cobre, o Papa Bento XVI instou os cubanos a "trabalhar por justiça" e disse estar próximo dos que foram "privados de liberdade".
"Supliquei à Virgem Santíssima pelas necessidades dos que sofrem, dos que estão privados de liberdade, separados de seus entes queridos ou que passam por graves momentos de dificuldade", disse o Papa, em referência aos presos políticos e exilados.
Durante a tarde, o Papa se encontrou, em Havana, com o presidente Raúl Castro no Palácio da Revolução.
Igreja dribla a censura
Uma imagem do Papa Bento XVI cobre a fachada da Catedral de Havana. Mas nem "a capital vestida de gala", como citou a agência oficial, nem as centenas de cartazes alusivos à visita mostram a extensão do espaço público obtido pela igreja nos últimos anos.
Se a força tampouco surge na forma de comparecimento de fiéis, a presença e a influência católicas aparecem nas iniciativas editoriais livres da censura direta estatal (Palabra Nueva, Espacio Laical) e na criação recente de um centro cultural. O Centro Félix Varela, inaugurado em 2011, promove inéditos debates e conferências em que convivem integrantes do governo e dissidentes ainda que críticos digam que apenas os discordantes "mansos" do regime são convocados.
A iniciativa abarca cubanos de fora da ilha. O empresário cubano-americano Carlos Saladrigas, milionário e militante anticastrista, participará de debate no centro na próxima sexta-feira. O empresário disse em 2011 à Palabra Nueva querer ajudar as "mudanças sociais" em Cuba.