Estados Unidos e Cuba deram um passo histórico ontem e decidiram restabelecer relações diplomáticas rompidas desde 1961 e adotar uma série de mudanças que ampliarão o comércio e o fluxo de pessoas entre os dois países. Nos próximo meses, os americanos devem abrir uma embaixada em Havana, colocando fim a um período de cinco décadas sem presença oficial na ilha.
Na terça-feira, os presidentes Barack Obama e Raúl Castro conversaram por telefone por quase uma hora, no primeiro contato do tipo entre líderes dos dois países desde a Revolução Cubana.
As negociações entre os dois países começaram em junho de 2013 e foram realizadas em uma sucessão de encontros no Vaticano e no Canadá. Segundo a Casa Branca, o papa Francisco teve papel crucial na reaproximação. Cuba foi o principal assunto discutido no encontro que o pontífice teve com Obama em maio. Pouco depois, o papa enviou carta aos presidentes dos dois países pedindo a normalização das relações.
Os anúncios de ontem não colocam fim ao embargo econômico dos EUA à Cuba, que só pode ser levantado por decisão do Congresso. Mas eles exploram todos os limites legais para ampliar os laços econômicos, diplomáticos e pessoais entre os países.
"O presidente Obama está convencido que o embargo não funcionou", disse um assessor da Casa Branca. Segundo ele, apesar de haver apoio nos dois partidos à normalização das relações com Cuba, ainda existe considerável oposição entre os parlamentares.
Na manhã de ontem, Havana libertou o americano Alan Gross, que estava preso havia cinco anos na ilha, eliminando o principal obstáculo à reaproximação com os EUA. O governo Raúl Castro também concordou em libertar um espião americano que estava preso havia 20 anos. Em troca, os EUA libertaram três espiões cubanos condenados em 2001.
Os EUA esperam que a mudança melhore sua relação com a América Latina, onde o embargo à Cuba é condenado de maneira unânime. Como parte da reaproximação, a Casa Branca anunciou que Obama participará da Cúpula das Américas, que será realizada no Panamá em abril e para a qual Cuba foi convidada pela primeira vez na história.
Os anúncios de ontem incluem a autorização no uso de cartões de crédito e débito americanos em Cuba, a ampliação das autorizações de viagens de residentes nos EUA à ilha, a ampliação no valor de remessas trimestrais à ilha e o aumento no valor de exportações e importações entre os dois países.
Entre as medidas mais importantes está o sinal verde para que empresas de telecomunicações americanas, incluindo de internet, operem em Cuba.
Opinião
Um passo para o fim do bloqueio
Célio Martins, , editor da Primeira Página da Gazeta do Povo
Com o anúncio da retirada de uma série de restrições no relacionamento dos Estados Unidos com Cuba, o presidente Barack Obama cumpre parte de suas promessas da campanha presidencial de 2008, quando foi eleito pela primeira vez. Mas ainda está longe de atender plenamente as expectativas da comunidade internacional, que pede o fim do bloqueio imposto à ilha durante mais de cinco décadas. Para derrubar o embargo econômico será preciso convencer a maioria do Congresso americano.
As sanções econômicas do governo dos EUA prejudicam não só americanos que pretendem negociar com Cuba. Em todo o mundo há consenso de que é preciso acabar com as restrições.
A ONU aprovou 21 vezes o fim do bloqueio, mas os congressistas americanos insistem na manutenção de uma prática que afeta vários países. Empresários, governos, movimentos sociais, líderes políticos, intelectuais, artistas e organizações não governamentais, como a Anistia Internacional, pressionam pela abertura.
O governo cubano calcula em mais de US$ 1,1 trilhão os danos causados à economia do país em 53 anos, considerando a depreciação do dólar frente ao valor do ouro. São cerca de dez anos de toda a produção de Cuba, que tem um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 113 bilhões.
O objetivo dos EUA, de aniquilar o regime com o bloqueio, não funcionou. Pelo contrário, as medidas provocaram ódio de muitos cubanos e ajudaram a reforçar o governo comunista. A sensação que todo cubano tem é de que muitas das mazelas do país são decorrentes do embargo.
Em parte, há um fundo de razão nessa percepção. Tudo fica mais caro para Cuba no comércio internacional. De equipamentos médicos a veículos e eletrodomésticos, qualquer produto fabricado por empresas americanas ou que tenha componentes dos EUA é embargado. Para se ter noção da abrangência das restrições, uma montadora americana instalada no Brasil, por exemplo, não pode exportar para a ilha carros produzidos em território brasileiro.
A construtora Odebrecht, uma das envolvidas no escândalo da Petrobras, foi impedida de participar de uma licitação pública na Flórida, avaliada em US$ 3,3 bilhões, por estar construindo o porto cubano de Mariel.
As restrições ainda mantidas, no entanto, não invalidam nem tiram importância das decisões de Obama. Viagens, atividades jornalísticas, de comunicação em geral, educacionais, pesquisas e projetos humanitários estão entre os benefícios para cubanos, americanos e cidadãos de outros países.
O anúncio de ontem torna mais próximo o sonho de uma América unida e abre caminho para a democracia plena no continente.
Célio Martins viajou a Cuba em 2013, quando produziu uma série de reportagens sobre a ilha.