Foi-se Fidel Castro, numa saída de cena que pode ser considerada serena ou melancólica, mas o regime socialista cubano continua quase intocado. Depois de legar a liderança da ilha ao irmão, Raúl, em 2006, o líder se retirou do Partido Comunista de Cuba durante o 6.º Congresso, encerrado na última terça-feira. No PCC, o comandante-chefe tinha o cargo de primeiro-secretário, função assumida pelo atual presidente.
Na reunião, o Partido aprovou 311 reformas e, apesar de não terem sido detalhadas, analistas viram nelas uma forma de compensação, uma série de "medidas cosméticas tomadas para ganhar tempo e adiar mudanças", nas palavras do historiador Marco Antônio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Para ficar em um exemplo, se a Assembleia Nacional concordar com o PCC e a expectativa é de que ela aprove as reformas , uma das alterações deve permitir a compra e a venda de imóveis e automóveis. Na prática, isso já ocorre ilegalmente há tempo. "As medidas são ainda bastante tímidas e chancelam o que ocorre na realidade", diz Dimas Floriani, professor da Casa Latino-Americana, em Curitiba.
Porque o presidente Raúl Castro havia falado em renovação antes de o congresso começar, a escolha de um político octogenário para ser o número dois do partido e vice no governo foi recebida com ironia. Então a imprensa internacional não hesitou em adotar aspas na palavra "renovação".
Cuba tem um partido único, o PCC, formado por 15 membros, cujas idades somam impressionantes 1.003 anos uma média de 67. É, de fato, uma gerontocracia. "[A escolha de José Ramón Machado Ventura, de 80 anos] não é boa nem má, é uma escolha possível", diz Tilden Santiago, ex-embaixador do Brasil em Cuba, durante o governo Lula, em entrevista por telefone.
Aquilo que uma geração mais jovem, pragmática e impaciente pode ver como resistência a mudanças, é, para Santiago, um processo lento. "Depois de quase 50 anos de revolução, adotar o capitalismo de uma hora para outra é quase impossível", diz o ex-embaixador, hoje ligado ao Partido Socialista Brasileiro. "O impulso da modernização em Cuba obedece à dinâmica dos velhos da revolução."
Villa é categórico ao afirmar que os problemas econômicos da ilha só começarão a ser resolvidos quando acabar o socialismo. Floriani compara a situação cubana à noção popular de que o besouro voa embora não tenha sido feito para voar. "A gente cobra de Cuba o que ela não pode dar. Eu acho que o país fez demais com as condições históricas que tinha", diz.
Hoje existem explicações científicas para o feito do besouro. Quanto a Cuba, o regime tem uma capacidade grande de manter o engajamento da população. Ao mesmo tempo, "falta imaginação à oposição", diz Floriani.
O socialismo cubano pode parecer frágil como a imagem de Fidel, um idoso de agasalho amparado por um braço mais jovem e mais forte, mas o valor simbólico do ditador continua inegável. Ele é, para Santiago, "o verdadeiro Pai da Pátria, no sentido histórico do termo".
O ex-embaixador conheceu e conversou com Fidel em algumas ocasiões. Pelo pouco que apreendeu a respeito do homem, o comandante não sairia de cena abrindo mão da tomada de decisões a menos que estivesse muito doente. É impossível prever como serão seus últimos dias.
Além de reforçar a confiança nos velhos revolucionários, a escolha de Machado Ventura escancarou um dos maiores problemas do PCC: a inexistência de uma nova geração capaz de conduzir Cuba através da turbulência.
A pergunta de um milhão é: o que acontecerá nos próximos anos? O passadismo de Cuba é apenas um dos obstáculos. Para o professor Floriani, outro problema grande será incutir na população a noção de independência depois de ela passar meio século contando com o Estado para tudo.
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