Durante as quase cinco décadas em que Fidel Castro governou este país, ele foi uma presença diária na vida dos cubanos. Seus discursos ecoavam nas tevês e suas regras rígidas moldavam quase todos os aspectos da existência. Ao acordar no sábado, eles descobriram que Fidel não existia mais.
Desde então o país vive um estado de torpor. Poucos cubanos pareciam acreditar que a morte de Fidel aos 90 anos traria transformações imediatas para o país, a única nação a ter um partido único no hemisfério ocidental. Afinal, problemas de saúde forçaram Fidel a se afastar em 2006, e o sistema que ele criou continuou a funcionar sem ele.
Mesmo assim a morte de Fidel representa uma ruptura psicológica com o passado e com a figura que dominou o país por três gerações. Há enorme pressão, especialmente entre os cubanos mais jovens, para que se acelere o ritmo de chegada de liberdades e de melhores padrões de vida.
Agora o governo cubano precisam lidar com essas expectativas em um momento de incerteza na importante relação da ilha com os Estados Unidos. O governo comunista vinha melhorando as relações com o presidente Barack Obama e passou a receber mais turistas americanos. Muitos agora temem que Donald Trump retroceda nessas mudanças.
Entre os cubanos que desejam mudanças mais rápidas, e que estão cansados das divisões e tensões políticas que Fidel representava, houve alívio com a notícia de sua morte. “As pessoas estão tão cansadas. Ele destruiu esse lugar”, disse um estudante universitário que voltava a pé do mercado para casa região de Vedado, em Havana. Ele começou a tremer quando o repórter lhe disse que Fidel tinha morrido, e que desta vez não era boato.
“Acho que a gente tem que ver o lado bom e o ruim, mas tinha mais coisas ruins”, disse o estudante, que se recusou a dar seu nome, dizendo que isso ia lhe causar problemas na faculdade.
“Não é como na morte de Stálin ou de Mao, com as pessoas se atirando nas ruas e achavam que o mundo ia acabar”
À medida que a notícia da morte de Fidel se espalhava pela capital, não havia sinais de agitação mas, o que talvez também seja revelador, também não havia mostras espontâneas de luto. Os cubanos continuaram tocando suas vidas num mundo que em grande parte é criação de Fidel: eles iam fazer compras em lojas estatais, esperavam em hospitais do governo e ligavam (ou desligavam) a televisão que mostrava homenagens a Fidel em tempo integral.
“Não é como na morte de Stálin ou de Mao, com as pessoas se atirando nas ruas e achavam que o mundo ia acabar”, disse Aurelio Alonso, sociólogo e editor do jornal cubano Casa de Las Americas. Era algo que todos esperavam. “Claro que as pessoas estão tristes”, disse Alonso, “mas ele teve uma vida longa”.
Por anos, estrangeiros especularam se a morte de Fidel traria mudanças drásticas. Mas os planos de sucessão de Fidel foram completados anos atrás, deixando seu irmão visivelmente mais saudável, Raúl, de 85 anos, totalmente responsável pelo governo. Os serviços militares e de segurança de Cuba continuam firmemente controlados pelo Estado e não se permite oposição nem dissidência organizadas.
Raúl Castro planeja deixar o poder em 2018, e o vice-presidente Miguel Diaz-Canel, 56 anos, um membro do Partido Comunista que não é parente dos Castro, deve ser o seu sucessor.
Cuba em grande medida se recuperou do período de austeridade que se seguiu ao fim da União Soviética, que deixou os cubanos famintos e desesperados no início dos anos 90, uma época de protestos em Havana reprimidos por Fidel.
Fidel abriu Cuba para o turismo, e no ano passado o número de visitantes chegou a um recorde de 3,5 milhões de pessoas, bem mais do que antes da revolução de 1959, que fechou os cassinos da ilha. Entre os viajantes há um número cada vez maior de americanos, que levam dólares a um país que parou de crescer. O primeiro voo comercial dos EUA para Havana em mais de meio século deve pousar nesta segunda.
Mesmo assim, há um descontentamento crescente com o sistema que Fidel disse ser “irrevogável”. O socialismo dá acesso a atendimento de saúde, educação e rações de comida para os cubanos, mas por décadas fracassou em prover mais do que o essencial. E a economia parece ir de mal a pior.
Com a morte de Hugo Chávez na Venezuela em 2013, Fidel perdeu seu aliado e principal benfeitor econômico de Cuba. Chávez enviava bilhões de dólares em carregamentos de petróleo, ajudando o governo de Havana a manter as luzes acesas e os aparelhos de ar-condicionado funcionando, com sobras suficientes para que Cuba reexportasse com lucro.
“Agora Raúl Castro estará mais livre para agir. Há coisas que Raúl provavelmente não queria fazer enquanto o irmão estivesse vivo.”
Mas os preços do petróleo caíram drasticamente, a Venezuela está em crise, e não há nenhuma outra fonte de receitas fáceis chegando para auxiliar Cuba. O crescimento está mais uma vez emperrado, e a emigração atingiu os números mais altos a década.
Passos modestos dados por Raúl Castro rumo a uma liberalização econômica levaram a uma explosão de novas empresas, especialmente restaurantes e pousadas, mas a abertura já perdeu força. O governo manteve distância das empresas americanas apesar de crescente interesse da iniciativa privada depois de Obama ter restabelecido relações.
Há quem especule que Raúl Castro pode acelerar o ritmo das reforma após a morte de seu irmão. Em um discurso em abril, o Castro mais novo brincou que não era verdade que Cuba tivesse apenas um partido: “Temos dois partidos aqui, exatamente como nos Estados Unidos”, ele disse. “O partido de Fidel e o meu.” Segundo ele, o partido de Fidel era o comunista, acrescentando, “o meu vocês podem chamar como quiserem”.
Os críticos não viram motive para rir, mas o ex-diplomata cubano Carlos Alzugaray disse que não era só uma piada. Os integrantes da linha-dura de Cuba se identificavam mais com Fidel do que com seu irmão. Muitos dos movimentos modernizadores adotados por Raúl Castro representaram uma rejeição implícita ao modelo econômico rígido, dominado pelo Estado, implantado por seu irmão.
“Agora Raúl Castro estará mais livre para agir”, disse Algarazay. “Não que Fidel fosse se opor a ele”, disse. “Mas é como quando você tem um parente doente e não quer chateá-lo. Há coisas que Raúl provavelmente não queria fazer enquanto o irmão dele estivesse vivo.”
Mas a maior parte dos cubanos se preocupa com a possibilidade de Trump tornar mais rigoroso o embargo comercial e aumentar as restrições para turismo. Na campanha, Trump disse que iria reverter a política de Obama de ampliar relações com Cuba a não ser que o governo cubano desse maior liberdade religiosa e libertasse prisioneiros políticos.
Fidel Castro nunca quis estátuas suas em Cuba. Não há ruas ou parques com seu nome. Isso quase certamente irá mudar.
O governo declarou luto de nove dias, com forte simbolismo revolucionário.
O corpo de Fidel irá ser velado na segunda e na terça na Plaza de la Revolución de Havana, onde os cubanos poderão “prestar homenagem e fazer um juramento solene de levar adiante o conceito da Revolução”, de acordo com uma nota do partido comunista no diário Granma.
Depois de uma aglomeração pública esperada para terça-feira, o corpo de Fidel será levado para Santiago de Cuba, no sudeste da ilha, fazendo o caminho inverso dos rebeldes barbudos em janeiro de 1959, quando eles tomaram o poder.
O corpo de Fidel será cremado em 4 de dezembro e será levado ao cemitério de Santa Ifigênia em Santiago, o mesmo local do túmulo do herói nacional cubano, Jose Martí, e de outros líderes da independência no século dezenove.
No sábado, a polícia e soldados bolquearam acesso à praça central de Havana, onde ficam a maior parte dos edifícios do Partido Comunista e do governo. Mas não havia maior aparato de segurança nas ruas.
A morte de Fidel é “uma grande perda para nós”, disse Jose Candia, 70 anos, que acordou sabendo da notícia e levou seu cachorro para passear por Havana.
Candia e outros cubanos dedicaram suas vidas a empregos estatais mal-remunerados que exigiam lealdade e disciplina absolutas. A notícia da morte de Fidel pareceu ser um golpe duro para ele.
“Penso na coragem dele. Na honestidade. Estive comprometida com ele minha vida toda”, disse Yolanda Valdes, 75 anos, professora de história e integrante do Partido Comunista. Lágrimas começaram a correr pelo seu rosto. Ela disse que tinha chorado a manha toda. “Eu adorava Fidel”, disse.
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