Sem fronteiras
Conhecer o mundo é regalia
Para os médicos cubanos, os salários são pequenos pelos padrões americanos cerca de US$ 500 por mês (cerca de R$ 900). Mas eles não pagam por moradia e alimentação no estrangeiro, e conseguem viajar pelo mundo uma regalia aproveitada por poucos cubanos e geralmente podem importar bens dos países que visitam sem pagar impostos.
Não é permitido aos médicos levarem suas famílias consigo, mas os outros incentivos ajudam a minimizar as desistências. Mesmo assim, um programa realizado pelos EUA desde 2006, criado especialmente para atrair profissionais médicos cubanos ao estrangeiro, levou muitos à deserção.
Vários dos médicos, muitos deles recém-formados, disseram que simplesmente apreciam a oportunidade de praticar o que haviam apenas lido nas apostilas, e assumir grandes responsabilidades que teriam de esperar anos para obter em casa.
Exportação
Países pagam pela ajuda de médicos da ilha
A prática de "diplomacia médica" de Cuba também tem sido uma importante fonte de divisas, com o lucro pela exportação de serviços médicos, incluindo 37 mil profissionais da saúde no estrangeiro, estimado em mais de US$ 2 bilhões.
Segundo a professora Katrin Hansing, atualmente os cubanos costumam pedir que os países anfitriões paguem uma taxa mensal variável média de aproximadamente US$ 2,5 mil por médico. Porém, o Haiti é um dos poucos países que não são cobrados.
Não há dúvida de que a missão cubana tem sido vital em território haitiano.
Ela está entre os maiores contingentes de apoio internacional presentes após o terremoto de janeiro de 2010, que lançou o Haiti numa crise.
E, desde a epidemia de cólera, a missão já tratou mais de 76 mil casos da doença, com apenas 272 mortes uma proporção muito menor, em 0,36 por cento, do que a média haitiana como um todo, onde 1,4 por cento dos casos acabaram em morte, segundo o Ministério da Saúde.
"Trabalhamos muito na educação da população", explicou Lorenzo Somarriba, chefe da missão médica cubana. "Mandamos pessoas às casas das vítimas e as educamos sobre a doença, e lhes fornecemos tabletes para limpar a água. Isso é absoluta mente vital".
Esses tabletes purificadores têm sido essenciais num país onde é raro haver água tratada.
A família de uma aldeia vizinha chegou ao pequeno hospital vomitando e com uma diarreia muito forte. À primeira vista, talvez um típico caso de consumo de comida estragada ou água contaminada.
Mas a perda de fluidos era enorme e incontrolável; dois dos três irmãos já estavam à beira da morte, e em algumas horas toda a família estaria morta. Enquanto isso, um assustador fluxo de pacientes preenchia a pequena sala da recepção, enquanto médicos e enfermeiras corriam para reidratá-los.
Era a noite de 15 de outubro de 2010. A cólera, como logo seria confirmado pela missão médica de Cuba que trata a maioria dos pacientes daqui, havia chegado ao Haiti.
"Recorremos aos nossos livros para conferir se isso poderia realmente ser cólera, e reportamos a situação imediatamente", disse Jorge Luis Quinones, médico membro da missão cubana que está no centro da epidemia.
Mais de um ano depois, a cólera matou 6,6 mil pessoas e atingiu mais de 476 mil quase 5 por cento dos 10 milhões de habitantes do país , no que autoridades da Organização das Nações Unidas (ONU) descrevem como a maior incidência mundial de cólera.
Em outubro, a Partners in Health [Parceiros na Saúde], uma organização não governamental, anunciou que começaria a testar uma vacina em janeiro, junto ao Ministério da Saúde e a uma organização de saúde haitiana.
À medida que a epidemia avança, a missão médica cubana que desempenhou um importante papel em sua detecção continua no Haiti, ganhando elogios de doadores e diplomatas por permanecer na linha de frente e assumir um esforço mais amplo para refazer o devastado sistema de saúde deste país.
Paul Farmer, enviado especial da ONU ao Haiti e um dos fundadores da Partners in Health, que trabalhou extensivamente na saúde do Haiti, declarou que os cubanos soaram um importante alarme inicial sobre a epidemia, ajudando a mobilizar funcionários da saúde e atenuar o número de mortos.
Além disso, enquanto a taxa de mortalidade atingiu seu pico em dezembro último e a atenção do mundo basicamente seguiu adiante, "metade das ONGs já foi embora, e os cubanos continuam lá", completou ele.
Médicos cubanos trabalham no Haiti desde 1998, quando 100 deles chegaram após um furacão como parte de um programa de cinco décadas de Cuba para estabelecer missões médicas internacionais. Desde então, Cuba trabalhou com Haiti, Venezuela e, recentemente, Brasil, Noruega e outros países para treinar profissionais e produzir equipamentos, fornecendo-os a dezenas de pequenos hospitais comunitários, clínicas e outros centros de tratamento.
Os cubanos enviam médicos ao estrangeiro desde a década de 1960, como uma forma de "diplomacia médica" que leva médicos extremamente necessários a áreas remotas de países pobres, principalmente na África, além de países aliados como a Venezuela, enquanto semeia a solidariedade internacional, afirmou Katrin Hansing, professora do Baruch College que está escrevendo um livro sobre a ajuda cubana a outros países.
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