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Cultura faz cidade esquecer a guerra

Residentes de Donetsk, na Ucrânia, dizem que atividades culturais são um alívio no meio de bombardeios e mortes da guerra. Yuri Dulumbaji no Teatro da Academia Nacional de Ópera e Balé de Donetsk; cobrindo um corpo em uma área residencial | Brendan Hoffman para o jornal The New York Times
Residentes de Donetsk, na Ucrânia, dizem que atividades culturais são um alívio no meio de bombardeios e mortes da guerra. Yuri Dulumbaji no Teatro da Academia Nacional de Ópera e Balé de Donetsk; cobrindo um corpo em uma área residencial (Foto: Brendan Hoffman para o jornal The New York Times)
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Mal dava para ouvir o bombardeio graças às grossas paredes de pedra do Teatro da Academia Nacional de Ópera e Balé de Donetsk. Poderia ser um bonde passando pela Rua Artem.

Mas houve um momento, quando Sylva fez sua entrada triunfal em uma recente apresentação de "Gypsy Princess", de Emmerich Kalman, que uma forte explosão fez o resistente piso tremer.

"No teatro, há uma regra que diz que, mesmo na guerra, o show deve continuar", diz Andrey Kornienko, diretor de publicidade da Ópera. "É nosso dever fazer nosso trabalho, para apoiar as pessoas emocionalmente e trazer arte a elas."

Em um fevereiro excepcionalmente quente, a neve desapareceu das avenidas de Donetsk, mas os combates entre os rebeldes pró-Rússia, que controlam a região, e o exército ucraniano continuam nos arredores da cidade. Recentemente, pelo menos cinco pessoas morreram sob uma barragem de artilharia que também danificou um hospital, seis escolas e cinco jardins de infância, disseram as autoridades locais.

Pessoas morrem quase que diariamente. De noite, a maioria dos postes de luz está quase sempre apagada ou piscando. A pressão da água é instável.

"Todo mundo presta muita atenção ao que está acontecendo na linha de frente", disse Vitaly Kobrik, diretor-adjunto de um complexo de esportes para jovens que está lutando para permanecer aberto. "O que é isso? Apenas pessoas se matando. Ninguém presta muita atenção ao que acontece com o povo que está tentando viver aqui nessas circunstâncias."

A conceituada ópera continua com sua programação regular, assim como o teatro vizinho. O planetário fica aberto todo fim de semana. Muitos cinemas estão funcionando. Vários shoppings mantiveram suas portas abertas, embora a maioria das lojas esteja escura.

No centro de exposições Art Donbass, obras do Sindicato de Jovens Artistas foram exibidas recentemente ao som de uma versão de "I Will Survive". O tema da mostra foi "Esperança, Fé e Amor". Kseniya Shevchenko, líder do grupo, disse que apenas sete dos 10 membros permaneceram em Donetsk. "Eu tento não deixar a guerra influenciar meu trabalho. É tudo muito triste, muito cinza", diz ela.

No Complexo Circense Estadual de Donetsk, o diretor Juriy N. Kukuzenko caminhava pelo picadeiro vazio. Em tempos normais, o circo poderia atrair sua plateia de uma população regional de cinco milhões, mas como várias cidades estão vazias, o público encolheu. Artistas itinerantes pararam de vir para a região.

"Acabamos percebendo que estamos cansados de sentir medo o tempo todo", diz Kukuzenko. Em dezembro, o circo organizou um festival para jovens artistas. Mais de 120 pessoas participaram, e a audiência foi grande. Em janeiro, houve uma série de 10 apresentações. A experiência convenceu o circo de que as pessoas queriam entretenimento. Mais shows irão estrear assim que os bombardeios diminuírem.

O Palácio de Esportes Dínamo fica perto do centro da cidade, em frente a um café atingido por um bombardeio que também destruiu muitas janelas do ginásio. A instalação é famosa na Ucrânia por ter formado estrelas da ginástica como Liliya Podkopayeva, que ganhou o ouro olímpico em 1996. Em tempos normais, a instalação oferece aulas de arco e flecha, boxe, natação, artes marciais e outras atividades, mas agora apenas as jovens ginastas aparecem.

"Muitos não conseguem dormir a noite toda por causa dos bombardeios, mas mesmo assim comparecemos", disse Liliya Pugachyova, que ajudou a treinar Podkopayeva. "Mantemos as crianças em forma e suas mentes em um lugar diferente, longe da guerra."

Antes do conflito, cerca de 60 meninas compareciam para o treinamento diário, disse Kobrik, o diretor-adjunto. Agora são apenas 20.

Trina Bugayova punha as roupas de inverno em sua neta de seis anos, Asya, depois do treino. "Quando sei que o bombardeio não está tão ruim, a gente vem para o treinamento. Não dá para manter as crianças sentadas em casa", diz ela.

Lydya Kachalova foi cantora da ópera por 30 anos, e 25 mais como gerente de palco. Ela comemorou seu oitenta anos no mês passado e sentou-se no seu posto ao lado do palco trajando um blazer vermelho engomado.

"Isso é o que me ajuda a enfrentar a situação", diz ela tocando um sino para orientar os artistas a tomarem seus lugares. "Para mim, isso não é um emprego. É o único lugar onde consigo relaxar". Antes da guerra, o coro tinha 75 artistas. Agora tem menos de 30. Todos os quatro regentes também fugiram. Um dos violinistas estava conduzindo "Gypsy Princess" naquela tarde. Nos bastidores, Roman Belgorodsky, um dos bailarinos, trajando cartola e casaca, se preparava para entrar no palco.

"É difícil manter sua mente no trabalho por causa do conflito", diz Belgorodsky, de 23 anos. "Mas o barulho das explosões não é tão alto aqui, então isso me ajuda a esquecer. Mas depois, tenho que sair e voltar para a dura realidade."

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