Daniel Martínez é o candidato da Frente Ampla, de centro-esquerda, à presidência do Uruguai. Dia 23, ele enfrenta o conservador Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, no segundo turno das eleições. Em entrevista Martínez defendeu a luta contra a pobreza realizada por Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e disse que a prisão dele é "ilegal". Embora não tenha contato com Jair Bolsonaro, caso vença a eleição, tentará manter boas relações com o brasileiro.
Que tipo de governo de esquerda será o seu?
Todos os países são diferentes e todas as esquerdas latino-americanas são diferentes, porque temos processos históricos distintos. O fenômeno da Frente Ampla uruguaia é bastante particular. Não posso deixar de dizer que Lula tirou milhões de brasileiros da pobreza e criou possibilidades para coletividades historicamente esquecidas, o que me causa uma grande admiração e uma profunda sintonia com Lula.
A candidata a vice-presidente pela Frente Ampla, Graciela Villar afirmou que esta eleição é entre "oligarquia e povo". O senhor concorda?
Graciela é uma lutadora, uma mulher que sofreu com prisão, tortura e teve de viver anos no exílio. É neta de uma trabalhadora rural e filha de uma empregada doméstica. Ela usou essa expressão, com toda a paixão que a caracteriza, quando a Frente Ampla a propôs como candidata a vice. O que ela tentou descrever foi que nestas eleições o confronto será entre um olhar conservador e outro progressista. E, nesse sentido, estou de acordo.
O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, qualificou Bolsonaro de "misógino e violento". Como imagina sua convivência com ele?
Nas relações internacionais, opiniões e simpatias pessoais não são o mais relevante. A eleição do presidente do Brasil é de exclusiva responsabilidade do povo brasileiro. No caso de ser eleito presidente do Uruguai, buscarei o melhor entendimento entre os dois governos para melhorar a qualidade de vida de uruguaios e brasileiros.
Qual sua opinião sobre a prisão de Lula?
Nunca opino sobre as decisões da Justiça, mesmo que não goste delas. Muito menos em relação a outro país. Mas este caso é muito particular. Como ficou demonstrado pelos áudios, o juiz que o inculpou e sua equipe atuaram com intenção política para impedir que ele se candidatasse às eleições.
O senhor acha que se deve levar adiante algum tipo de mudança no Mercosul?
Entendemos que o Mercosul continua sendo uma importante estratégia para a inserção global e para permitir exportar o que é produzido aqui. Em conjunto com os governos dos outros países, teremos de buscar os melhores caminhos para garantir acesso a mercados cada vez mais exigentes com as menores tarifas possíveis.
Hoje o Uruguai não habilita a venda de maconha por pessoas não registradas no sistema. Pensa em adotar alguma mudança para atrair consumidores de outras partes do mundo?
Não temos intenção de impulsionar esse tipo de turismo e muito menos atrair consumidores de outros países. Trata-se de uma política fomentada para nossos cidadãos.
Por anos a Frente Ampla negou-se a considerar o regime venezuelano uma ditadura. Recentemente o senhor se pronunciou neste sentido. O que mudou?
Minha posição com relação à Venezuela não mudou. Mas me causou impacto a leitura do relatório da ex-presidente Michelle Bachelet, que mostra a situação em que vivem os venezuelanos. Sempre preferimos evitar caminhos que levam a uma polarização e causam confrontos, pois isso não contribui para uma saída da crise. Por isso, manterei a posição defendida por nossa chancelaria em consonância com outros países, especialmente europeus: o caminho do diálogo, nunca o do uso da força.
Por que é importante que a Frente Ampla, que está há 15 anos no poder, tenha outra chance de governar?
Foram 15 anos seguidos de crescimento da economia, 60% de crescimento dos salários acima da inflação, redução da pobreza de 40% para 9%, acesso a uma saúde de qualidade para os trabalhadores e suas famílias, entre muitas outras coisas. Com base nessa plataforma, estamos em condições de dar um salto qualitativo que terminará a construção do Uruguai do século 21 em dois aspectos: o desenvolvimento humano e a transformação produtiva, para agregar conhecimento e cuidado ambiental à nossa geração de riqueza, criando novos empregos de qualidade.
A única maneira de a oposição vencer é formando uma coalizão. O senhor afirmou que o que une a oposição é o ódio do partido do governo. Por que acha isso?
A oposição é diversa. Inclui a direita tradicional, mas também um novo partido militar próximo de Bolsonaro que tem 10% dos votos. Para o segundo turno, o candidato da oposição terá de formar uma coalizão que reúna cinco ou seis partidos que têm, sobre vários assuntos, propostas antagônicas. Por isto, até agora não conseguiram apresentar muitas propostas concretas, uma vez que elas precisam ser negociadas. Votar nesses partidos é como dar um cheque em branco. A única coisa que os une é o objetivo de tirar a Frente Ampla do governo.