Curitiba Há pouco mais de um mês, os sobreviventes da guerra entre tutsis e hutus em Ruanda fizeram uma manifestação em Kigali, tentando chamar a atenção das Nações Unidas para outro genocídio que ocorre na África. "Nós sobreviventes estamos do lado das vítimas em Darfur", disse um deles. "Nós sabemos o que é perder nossas mães, pais, irmãos, irmãs, filhos e filhas."
A ONU classificou Darfur, no oeste do Sudão, como o pior desastre humanitário deste século. Desde 2003, estima-se que 200 mil pessoas morreram e outras 2 milhões foram desalojadas. O Sudão é o maior país da África e tem uma população de maioria árabe. Na região de Darfur, no entanto, concentra-se a população de origem centro-africana e também diversos grupos nômades.
Sentindo-se excluídos da política central de Cartum, um grupo rebelde chamado Fronte de Libertação de Darfur (depois rebatizado Exército de Libertação do Sudão) iniciou, em fevereiro de 2003, uma série de ataques a alvos do governo. Ao perceber que as forças armadas do país não estavam conseguindo conter os insurgentes, o governo do Sudão adotou uma nova estratégia de repressão, trazendo para o conflito a milícia armada Janjawed, um grupo de cavaleiros árabes muçulmanos extremamente violento que não faz distinção entre rebeldes e civis.
"O uso da milícia foi adotado para expulsar toda uma população, simplesmente para diminuir a contestação política", afirma a especialista em guerras na África e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Nacional de Brasília (UnB), Denise Galvão.
Em maio deste ano, o Exército de Libertação do Sudão e o governo sudanês aceitaram firmar um acordo sobre Darfur. As mílicias Janjaweed seriam desarmadas e os militares rebeldes incorporados às forças armadas do país. A União Africana (UA) grupo de países do continente , com o consentimento do Sudão, enviou 7 mil soldados para monitorar o cessar-fogo.
Apesar do acordo, a violência continuou. Duas forças rebeldes de Darfur preferiram não assinar o tratado de paz. "Essa é uma região muito grande e 7 mil homens é pouco. Além disso, essa força não é tão bem equipada, chegando a ser vítima da violência", afirma Denise.
No final do mês de agosto, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1.706, que prevê a troca dos homens da UA por 20 mil soldados das Nações Unidas. O governo sudanês rejeitou a resolução e comprou briga com o órgão.
No último dia 20 de outubro, o enviado especial da ONU ao Sudão, o holandês Jan Pronk, foi considerado "persona non grata" pelas forças armadas e expulso do país. A ação do Sudão contra Pronk foi aparentemente motivada por um texto publicado por ele em seu blog pessoal www.janpronk.nl , em que disse que as forças armadas do Sudão sofreram grandes derrotas em dois conflitos recentes contra rebeldes em Darfur.
Com pouco peso político nas questões internacionais, o Sudão regularmente decora os discursos de líderes mundiais, mas, na prática, o país continua sendo palco do que muitos já nomearam de "Ruanda em câmera lenta". Apenas nesta última sexta-feira, foram 63 mortes, metade das quais crianças.
"O genocídio no Sudão mostra o grande fracasso da ONU. Mesmo com a experiência de 1994 (Ruanda), a humanidade não aprendeu a lição", conclui Denise.