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Venezuelano carrega alimentos nos ombros, em Caracas, na Venezuela: escassez  elevou preço de produtos, os tornando inacessíveis para parte da população | RONALDO SCHEMIDT/
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Venezuelano carrega alimentos nos ombros, em Caracas, na Venezuela: escassez elevou preço de produtos, os tornando inacessíveis para parte da população| Foto: RONALDO SCHEMIDT/ AFP

Vítimas, primeiro, de uma profunda crise de abastecimento e, depois, de uma inflação que já chega a 300% em 2017, 50% da população venezuelana, que recebe o salário mínimo, tem criado diversas alternativas para manter os hábitos de higiene como eram antes da crise.

"Houve uma redução profunda tanto na produção interna quanto na importação de produtos básicos simplesmente porque o país não consegue dólares suficientes para trazer de fora o que precisa", diz o economista Efraín Velázquez, do Conselho de Economia da Venezuela. "Além disso, a política de controle de preços fez com que os produtos mais simples sumissem das prateleiras, dando lugar às opções importadas, que são caríssimas para o consumidor comum”, assinala.

Hoje, os venezuelanos estão produzindo de tudo em casa: sabonetes, xampus, desodorante, pasta de dente e até produtos que estavam fora de moda há muito tempo. 

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Na internet, por exemplo, é possível encontrar à venda absorventes íntimos de pano que podem ser lavados e usados diversas vezes. O uso de fraldas de tecido também retornou em muitas casas. 

Todos esse produtos são encontrados em sua forma industrial nas lojas, mas a preços inviáveis para a maioria da população. Um pacote de 47 fraldas de fabricação chinesa, por exemplo, custa 200 mil bolívares, quase o valor do salário mínimo. 

Moradora da periferia de Caracas, Rusol Santos, 53, despejou bicarbonato de sódio com bastante cuidado na vasilha de plástico transparente. Olhou por cima, por baixo, sacudiu o potinho para o pó branco se espalhar e colocou mais um pouco. 

Depois, foi a vez do creme para mãos que ganhou dos filhos no Natal de 2014. Por último, uma dose de maisena. "Antes eu fazia tudo certinho, medindo a quantidade nas colheres de chá. Agora já acostumei, faço no olho mesmo. E nunca erro", diz, enquanto mistura os ingredientes com uma colher. 

Foram cinco minutos girando o creme branco até que Rusol anuncia: "Aí está, mais uma semana de desodorante caseiro prontinho, olha como é cheiroso", afirma, oferecendo uma pitada do creme. 

Funcionária administrativa de uma empresa de Caracas em que ganha um salário mínimo, de 230 mil bolívares (R$ 41 no câmbio paralelo) incluindo o vale-alimentação, ela começou a fabricar seu próprio desodorante há pouco menos de um ano. 

Foi quando a crise de abastecimento de produtos básicos que atinge a Venezuela estava em seu pior momento. "Era isso ou gastar metade do salário comprando um desodorante no mercado negro." 

Ela afirma que agora é possível encontrar desodorantes de marcas desconhecidas, mas com preços altos. Rusol diz ter gastado 8.000 bolívares em um deles para a filha, Yubesmi Aguilar, 28, que sofre alergias com o produto fabricado em casa pela mãe. 

As duas agora têm tentado fazer pastas de dente em casa, seguindo uma receita que encontraram na internet, mas o resultado tem deixado a desejar. Ainda não conseguiram dar consistência suficiente à pasta para que ela se mantenha inerte na escova. 

Experimentos domésticos como os de Rusol e Yubesmi têm se tornado uma constante nos lares venezuelanos. 

Nova ‘carreira’

"Houve um momento em que eu me vi sem dinheiro para comprar coisas tão simples quanto um tubo de pasta de dente, o que eu ganhava só me permitia comer, e mal", conta Ana María Lora, 45. 

Em meados do ano passado Lora abandonou a carreira de 20 anos como ilustradora e designer gráfica para fabricar sabonetes caseiros. Pediu demissão e montou uma fabriqueta em casa, onde hoje produz cerca de 500 barras de sabonetes por mês. 

"A demanda era tão grande que melhorei minha qualidade de vida de maneira incrível apenas fazendo isso", conta ela, que pensa agora em expandir o negócio. "Vendo meus sabonetes a quase o mesmo preço que uns chineses de qualidade bem duvidosa que estão chegando". 

César Pinto, 39, trabalha com tecnologia há mais de dez anos, mas agora também quer entrar nesse mercado. Dono de pequenas lojas de celulares e acessórios, passou a oferecer produtos sem relação com seu negócio. 

Primeiro foram as barras de chocolate, depois os potes de Nutella e, por último, são os tubos de pasta de dente que dividem espaço com telefones de última geração. 

"A procura é tão grande que eu estou transformando uma das minhas lojas para só vender comida e produtos de higiene importados." 

Em sua loja de Chacao, bairro nobre de Caracas, um tubo de 250 ml de pasta de dente importada custava 50 mil bolívares na semana passada. O valor assusta compradores. "Mas sempre há quem esteja desesperado e tenha dinheiro. Pasta de dente não estraga e o preço sobe com o dólar." 

Refúgio na Espanha 

Com a piora da crise na Venezuela, quadruplicaram no primeiro semestre deste ano os pedidos de asilo de seus cidadãos à Espanha, seu principal refúgio na Europa. O país serve de destino natural por compartilhar com a Venezuela a língua e estreitos laços históricos. 

Os números atualizados nesta semana pelo Eurostat, o escritório de estatística da União Europeia, mostram que houve 5.015 dessas petições nos primeiros seis meses do ano. Durante o mesmo período de 2016, tinham sido apenas 1.275. 

A proteção buscada, no entanto, se choca contra a lenta burocracia espanhola. Havia 28.250 petições pendentes em junho de 2017. O jornal "El País" relata que apenas quatro pedidos foram alvo de alguma decisão em 2016 --foram aceitos. 

O mesmo diário relata que, ao pedir o asilo, pessoas podem ter que esperar até dez dias no aeroporto para uma resposta sobre o trâmite. Quando começa, o processo dura dois anos. 

No caso dos venezuelanos, é menos provável que sejam aceitos, já que seus pedidos são analisados ao lado daqueles vindos de países em guerra, como a Síria, aos quais a Europa tem demonstrado sua predileção. 

O Observatório da Voz da Diáspora Venezuelana estima que mais de 2 milhões de pessoas deixaram o país desde que Hugo Chávez (1954-2013) chegou ao poder, em 1999.

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