Mulheres e criança afegãs aguardam atendimento médico em clínica das Nações Unidas para refugiados, no Paquistão| Foto: Faisal Mahmood/Reuters

Manipulação

Uso político de ideias humanitárias desafia o trabalho de ativistas

Quando os EUA invadiram o Iraque, diziam ter, entre outros objetivos, defender a democracia e os direitos básicos para garantir a dignidade do povo daquele país. Hoje, depois da retirada das tropas norte-americanas, os direitos humanos dos civis iraquianos continuam vulneráveis diante de ataques de sunitas radicais do EIIL. Iain Levine, diretor de programas do Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos) diz que muitas vezes é advertido de que as informações levantadas pela organização podem ser utilizadas em agendas políticas. Mas ele afirma que é preciso investigar seja quem for o violador e seja qual for a ideologia dele. "A maior parte dos países usam [direitos humanos] quando querem e esquecem quando querem", constata Levine. A diretora executiva da ONG Conectas, Lucia Nader, explica que a diplomacia brasileira muitas vezes considera que o sistema internacional é seletivo, já que há problemas em todo o mundo. Mas, para ela, o problema não é ser seletivo, mas quais critérios são usados nessa seleção. "Muitas vezes outros critérios, que não são os direitos humanos, acabam prevalecendo", observa Lucia.

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Leis

A Declaração Universal dos Direitos Humanos fez 65 anos no fim do ano passado e é o principal documento sobre o assunto. A ONU tem convenções voltadas a minorias, como mulheres e crianças. Há documentos que os países podem optar por serem signatários e há os compulsórios.

Valores

Um artigo na revista Foreing Affairs conclui que um desafio dos últimos cinco séculos continua a existir: aqueles que trabalham com direitos humanos precisam lutar não apenas com os que são materialmente mais poderosos, mas também com os que têm valores extremamente diferentes.

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Vergonha

No jargão dos direitos humanos usa-se a expressão "naming and shaming" (nomear e enver­gonhar) quando se divulga o erro de um país na violação da dignidade. É uma tentativa de fazer pressão para mudanças. Segundo Lúcia Nader, a diplomacia brasileira defende que, além de envergonhar, é preciso cooperar.

Proteção

Após o genocídio de Ruanda, surgiu a "responsabilidade de proteger". Como explica Iain Levine, ela consiste no compromisso que o mundo tem de intervir, após terem sido tomadas todas as medidas diplomáticas, se um governo não puder proteger seu país ou for ele mesmo o violador dos direitos.

Interatividade

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Notícias no contexto internacional sobre violações dos direitos humanos são rotina. Pode ser no Oriente Médio, em uma tribo africana, no leste europeu, em uma favela brasileira, com um imigrante na União Europeia ou em uma prisão mantida pelos EUA.

Os relatos de falta de condições básicas à dignidade levam ao questionamento sobre até que ponto os direitos humanos servem como argumento para mudanças e se funcionam diante de tantas discrepâncias econômicas, culturais e políticas.

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Em artigo, a revista americana Foreing Affairs analisa a questão dos direitos humanos na atualidade e afirma que a ideia sobre o termo nunca pareceu tão fraca na história recente.

O texto cita a decepção que envolveu o Egito depois da Primavera Árabe, vivendo sob um governo autocrático, e as tentativas frustradas dos EUA em instaurar democracias no Iraque e no Afeganistão. Os iraquianos vivem uma crise em que jihadistas extremistas do grupo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) tentam tomar o poder e o Afeganistão passa por um processo eleitoral com suspeita de fraude.

"É tentador concluir que o movimento pelos direitos humanos globais está se desintegrando", afirma o texto de Christian Reus-Smit, professor de Re­­la­­ções Internacionais da Universidade de Queensland, na Austrália.

A diretora-executiva da ONG Conectas, Lucia Nader, observa que é necessário trabalhar para a garantia dos direitos humanos, que "são um conjunto de direitos que correspondem ao mínimo para se preservar a dignidade humana, são o piso e não o teto".

Legislações internacionais definem os padrões relacionados a esse mínimo, mas, na prática, as diferenças culturais e políticas são um desafio. Como defender esses direitos em contextos diferentes? Em seu artigo, Reus-Smit cita, por exemplo, os pessimistas que dizem que os direitos humanos competem com preceitos religiosos e tradições culturais.

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Lúcia reconhece que é diferente tratar de direitos humanos das mulheres, por exemplo, em um país que tem uma presidente mulher, como o Brasil, e em um país onde a vida de uma mulher vale metade da de um homem, como o Irã. Ainda assim, ela defende que é preciso se utilizar os padrões internacionais, mesmo com "os eternos debates sobre relativismo cultural".

"A posição da Conectas é que culturas são mutáveis, conforme o tempo passa". A ativista ressalta que até o fim do século 19 a escravidão era considerada aceitável na cultura brasileira e que isso mudou.

ONG divulga problemas como primeiro passo para mudanças

Até metade do ano passado, pouco se sabia sobre o que está acontecendo na República Centro-Africana, país sem qualquer destaque no contexto internacional. As milícias cristã (anti-balaka) e muçulmana (seleka) vivem conflitos sangrentos no país.

O Human Rights Watch (HRW, Observatório dos Direitos Humanos) começou a trabalhar para divulgar no exterior o que ocorre naquele país. Os ativistas foram a campo, fizeram fotos, vídeos e começaram a divulgar nas redes sociais. "Aos poucos, jornalistas começaram a fazer reportagens e a chocar a consciência dos diplomatas. A partir daí, a ONU passou a negociar e discutir envio de uma missão", conta Iain Levine, diretor de programas do HRW.

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A ONG atua em 90 países e tem três pilares de atuação: investigar, expor e mudar. No caso da República Centro-Africana foi preciso seguir esses três passos. Um dos desafios da organização ao atuar em países que precisam de interferência internacional, é conseguir pressionar sem que haja sanções que prejudiquem a população.

Em casos como o da Síria, em que já se sabe que há um conflito grave, o objetivo é descrever os fatos, independente do lado de que venham as violações. Levine explica que o ODH procura ser neutro nos países onde atua. Ele cita como exemplo as ocasiões em que questionam o fato de a organização estar sediada no EUA e ele responde que a entidade também cobra os americanos por violações de direitos em guerras e na prisão de Guantánamo.

Levine também diz que a ONG não é uma organização pacifista. "Um país pode estar em guerra com outro, é uma escolha. Mas nós observamos como ele luta, se cumpre as leis internacionais".

Otimismo

Questionado sobre uma crise dos direitos humanos na atualidade, Levine reconhece que não há nenhum país no mundo em que todos os direitos humanos sejam respeitados "O movimento de direitos humanos nunca foi tão forte, o conhecimento nunca foi tão alto, a tecnologia está oferecendo possibilidades de entender, investigar e documentar. Se eu trabalhasse mais 50 anos, teria coisas a fazer. Mas, apesar de todos problemas, para mim, há um progresso".

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