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Parte da cidade de Brickell, de US $ 1 bilhão, que inclui um centro comercial, escritórios, condomínios de luxo e um hotel, está à beira do rio  | MORIS MORENO/NYT
Parte da cidade de Brickell, de US $ 1 bilhão, que inclui um centro comercial, escritórios, condomínios de luxo e um hotel, está à beira do rio | Foto: MORIS MORENO/NYT

Cortando o centro da cidade, o rio Miami foi por muito tempo uma bagunça desleixada, com pequenos estaleiros pipocando em suas margens, lojas de pescaria e marinas baratas com píeres apodrecidos. Quando os barcos decrépitos afundavam, muitas vezes eram deixados onde estavam, com os cascos surgindo em meio à água oleosa.  

O rio tem pouco mais de 8 quilômetros de comprimento e se formou há eras, como um dreno do enorme pântano que se tornou a região dos Everglades. Contrabandistas de rum e oficiais da Guarda Costeira trocaram tiros na época da Lei Seca. Nos anos 1980, traficantes de drogas transportavam o contrabando em lanchas durante a noite, escondendo o produto em armazéns nas margens. A reputação da hidrovia atingiu seu ponto mais baixo em 1985, quando um grupo de policiais corruptos invadiu um barco de traficantes e roubou US$ 9 milhões em cocaína. Três traficantes se afogaram enquanto tentavam fugir.  

Mas agora o rio reflete a febre do desenvolvimento do bairro vizinho de Brickell, ao longo da costa de Miami e nas ilhas de Miami Beach, e está passando por uma regeneração vigorosa. Fortunas estão sendo gastas em torres de apartamentos vertiginosas, restaurantes de primeira classe, lojas e outras construções em suas margens ou por perto. 

Em alta, o rio Miami começa a receber novos restaurantes ao longo de sua orlaMORIS MORENO/NYT

"O rio Miami está em alta", disse Alicia Cervera Lamadrid, corretora cuja empresa está trabalhando nas vendas das Residências Aston Martin, prédio de 66 andares em construção perto da foz do rio. Quando o negócio chegou ao mercado, iniciou-se uma intensa oferta, com um construtor argentino comprando-o por US$ 125 milhões. Na primeira incursão da montadora de automóveis de luxo Aston Martin no mercado de imóveis, as unidades mais caras do prédio custarão US$ 50 milhões.  

Vários outros projetos de tamanho similar estão em andamento, incluindo um estádio de futebol de 25 mil lugares ao norte do rio, no bairro de Overtown. A principal liga do esporte anunciou a aprovação de uma franquia em Miami, liderada pelo ex-jogador David Beckham, cuja escolha do lugar depois de uma pesquisa de quatro anos pareceu selar o acordo. Se o projeto superar os entraves legais, outros investimentos na área já em transformação deverão surgir.  

Comissão do Rio Miami

Horacio S. Aguirre, presidente da Comissão do Rio Miami, disse que a reputação do rio como uma "terra de ninguém", notória por "cadáveres, carros flutuando e atividades escusas" dificultou a tarefa de atrair investidores, especialmente porque Miami Beach e outras localidades à beira-mar proporcionavam oportunidades muito mais racionais para ganhar dinheiro.  

As autoridades da Flórida criaram a comissão em 1998 para melhorar a sinistra condição do rio. Uma tarefa crucial, disse Aguirre, foi retirar as embarcações naufragadas e outros tipos de lixo da água putrefata. Em 2004, os trabalhadores começaram uma operação de dragagem de quatro anos que aprofundou o leito do rio em quase um metro e custou US$ 89 milhões, um orçamento compartilhado por agências federais, estaduais e locais. Quando a limpeza acabou, os construtores, que começaram a ficar sem espaço em outros lugares do sul da Flórida, se voltaram para o rio Miami.  

Novos projetos

Embora alguns novos edifícios ao longo da via fluvial tenham sido construídos ainda em 2000, e várias torres de apartamento tenham surgido perto da foz há mais de uma década, a maioria das construções mais baixas foi interrompida durante a recessão. Com poucos impedimentos agora, há uma explosão de novos projetos em planejamento, em construção ou concluídos, com seu contorno surgindo no horizonte do centro da cidade e no bairro de Brickell.  

Um pouco além do lado sul do rio, o Brickell City Center – um grande complexo que inclui um centro comercial, escritórios, apartamentos de luxo e um hotel, e que custou US$ 1 bilhão – foi inaugurado em novembro de 2016 e inspirou uma série de projetos nas imediações.  

Do outro lado do rio, o construtor de Nova York Shahab Karmely viu um grande lote vazio, onde antes havia um estaleiro, enquanto examinava a área em 2013. O resultado será o One River Point, dois prédios de 60 andares projetados pelo arquiteto uruguaio Rafael Viñoly, cujas coberturas serão as “vilas no céu”, com 1.300 metros quadrados, ao custo de cerca de US$ 30 milhões cada. No espaço entre as torres, a 243 metros do chão, um clube privado de três andares será envolto quase inteiramente em vidro. A construção está programada para começar no início de 2019.  

Karmely, diretor da KAR Properties, disse ter visto um crescimento semelhante ao longo dos rios em Londres, Frankfurt e outras cidades, e lamentou não ter entrado de cabeça. “Não aproveitei a oportunidade”, disse ele enquanto cruzava o rio Miami em uma lancha. “Mas disse ao meu parceiro: 'Este é um país não descoberto. Você não pode errar com um rio. Não está lapidado, mas tem muito potencial.'”  

Paul S. George, professor de história do Miami Dade College e autor do livro “Along the Miami River”, que começa sua narrativa com as tropas espanholas sendo entretidas por indígenas Tequesta nas margens do rio em 1568, disse que o desenvolvimento dos últimos anos não era surpreendente.  

“Esta foi uma área completamente inexplorada por mais de 50 anos. Nada aconteceu por décadas, mas as pessoas acabaram chegando ao rio. Foi uma espera longa.”  

Entre os recém-chegados, está o estilista de Nova York, Naeem Khan, que vestiu a Duquesa de Cambridge, Michelle Obama, Beyoncé e Taylor Swift, e que planeja mudar sua sede para um local a leste da ponte da 12th Ave. E também pretende construir uma fábrica e uma escola de 2.415 metros quadrados para aspirantes a estilistas.  

Novos empreendimentos e negócios ao longo do rio a noroeste do centro da cidade estão intercalados com galpões para barcos, píeres de pesca e moradias modestas. Há rebocadores de cargueiros, balsas e iates sendo consertados em estaleiros como o centenário RMK Merrill-Stevens, que está passando por uma reforma de US$ 30 milhões. Em algumas docas, as plataformas de carga para o Haiti e República Dominicana têm pilhas de colchões, utensílios de cozinha e veículos usados.  

"É o charme do rio – é algo único", disse Roman Jones, que fez nome como empresário da noite em Miami Beach e que em abril inaugurou o Kiki, um restaurante de luxo de gastronomia grega na beira do rio.  

Este é apenas um dos condomínios de alto padrão no distrito de Brickell, em MiamiMORIS MORENO/NYT

Em uma tarde recente do lado de fora do restaurante, na North River Drive, Lamborghinis e Ferraris aguardavam seus proprietários, uma visão impensável na área há alguns anos. No interior, os clientes jantavam, entre outras iguarias, um prato chamado Seafood Towers, que combinava caranguejo real do Alasca, lagosta do Maine, camarão, ostras e mexilhões da Nova Zelândia, ao preço de US$ 229.  

No Kiki e no Seaspice, o restaurante igualmente elegante ao lado, os proprietários de iate estacionaram suas embarcações ao lado das áreas de jantar ao ar livre e caminharam pela areia para a refeição à sombra de grandes guarda-sóis coloridos.  

Do outro lado do Kiki, o dono de uma doca de conserto de embarcações desmanteladas, de uma loja de suprimentos de pesca e de uma lanchonete disse ser o último de uma raça em extinção. “Esta é a única loja de pescaria que sobrou no rio Miami”, disse Pedro Gándara em espanhol, contando que passou 10 anos trabalhando onde o restaurante Kiki está agora, antes de ser expulso há dois anos para o espaço ao lado, que é muito menor.  

“Havia muitos lugares aqui que serviam os barcos, e mais de metade já desapareceu”, disse Gándara, um mecânico de barcos de 60 anos que veio de Cuba para Miami em 1987. “Logo, este também não existirá mais – é o último lugar no rio para pessoas humildes como eu.”  

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