A infecção por coronavírus do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não foi suficiente para cancelar o debate entre os candidatos à vice-presidência do país, a senadora pela Califórnia Kamala Harris (Partido Democrata) e o ex-governador de Indiana Mike Pence (Partido Republicano). Na noite desta quarta-feira (7), eles ficaram frente a frente, separados por placas de acrílico, no Kingsbury Hall, teatro da Universidade de Utah, em Salt Lake City. O encontro foi mediado pela jornalista Susan Page.
O debate entre os vices é tradicional nas eleições dos Estados Unidos, mas nunca foi considerado um grande evento. Este ano, porém, a situação é diferente. Além de todas as polêmicas que envolvem o pleito de 2020 – coronavírus, votação por correspondência e a indicação à Suprema Corte, para citar alguns –, há, também, o fator referente à idade dos candidatos à presidência. Trump, com 74 anos, e Biden, com 78, são os candidatos mais velhos da história dos EUA.
A pandemia da Covid-19, obviamente, foi o primeiro ponto debatido, não somente pelo fato de o presidente do país ter sido infectado, mas porque Pence é o nome à frente da força-tarefa da Casa Branca contra a pandemia. Mais de 7,5 milhões de casos da doença foram registrados nos EUA e o número de vítimas fatais ultrapassa 200 mil.
Leia também: Quem são os republicanos que estão contra Donald Trump
A candidata democrata criticou o modo como a atual gestão tem tratado o cenário de epidemia e citou, inclusive, a revelação feita recentemente pelo jornalista Bob Woodward de que Trump, ainda em janeiro de 2020, minimizou conscientemente a doença.
“Eles sabiam o que estava acontecendo e não contaram para vocês. Vocês podem imaginar... se você soubesse em 28 de janeiro, e não em 13 de março, o que eles sabiam, o que você poderia ter feito para se preparar. Eles sabiam e esconderam”, alegou Harris. Sobre uma eventual vacina, a candidata democrata falou, referindo-se a Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, que “se o doutor Fauci disser para tomar a vacina, eu vou tomá-la; mas se Donald Trump disser para tomá-la, eu não vou”.
Pence respondeu: “parem de politizar vidas. se tivermos uma vacina, vamos usar; é inaceitável”. O candidato republicano também sugeriu, ao comentar sobre o plano da chapa Biden-Harris para combater o coronavírus, que ele foi “inspirado”, inclusive, na abordagem atual da administração Trump. Para ele, “parece um pouco com plágio, algo sobre o qual Joe Biden conhece um pouco”.
O vice de Trump também afirmou que para conter o avanço da epidemia, o republicano fez o que nenhum outro presidente fez antes: suspendeu todas as viagens da China, a “segunda maior economia do mundo”.
Impostos
A polêmica envolvendo o Imposto de Renda de Donald Trump, assim como ocorreu no primeiro debate entre os candidatos à chefia do Executivo, também apareceu no encontro dos vices desta quarta-feira (7).
Segundo reportagem do New York Times, Trump pagou apenas US$ 750 dólares de IR no ano em que venceu a eleição e a mesma quantia no primeiro ano em que esteve na Casa Branca. No debate entre os cabeças de chapa, Biden falou que o valor era menor do que muitos professores tinham pagado em tributos.
Entenda: Como funciona a votação por correio nos EUA
Harris alfinetou os republicanos e disse que Biden, ao contrário de Trump, é transparente a respeito de sua saúde e de suas contas. Pence, por outro lado, disse que quem comanda a nação é um “presidente empresário” e que as alegações contra o IR do titular não são verdadeiras. O vice de Trump aproveitou, também, para dizer que a gestão de Barack Obama, de quem Joe Biden foi vice, “virou a economia de cabeça para baixo”.
Economia e mudanças climáticas
A respeito da economia, Pence disse que a recuperação “está nas cédulas” e prometeu que se Trump ganhar, serão mais quatro anos de crescimento e oportunidades. “[Se Trump for eleito] 2021 será o maior ano econômico da história deste país”, comentou o republicano.
O vice do atual presidente também acusou os democratas de planejarem interromper o corte de impostos, enquanto Harris respondeu que aqueles que ganham menos de US$ 400 mil ao ano não seriam afetados. Ainda, Pence afirmou que a chapa democrata pretende acabar com o fraturamento hidráulico (fracking) no país, um método de extração de combustíveis do solo, o que foi negado por Harris.
Confira: O que Trump pode aprender com decisão de Lincoln de não adiar a eleição de 1864
E diferentemente do que ocorreu no debate presidencial do dia 29 de setembro, o Brasil não apareceu quando o assunto versou sobre mudanças climáticas, mas o “Acordo de Paris” e o “Green New Deal” foram motivo de confronto entre Harris e Pence: enquanto o republicano apontou que democratas retornarão a acordos que irão trazer desemprego para os EUA, a democrata retrucou que Donald Trump minimiza a ciência.
“Não há mais furacões hoje do que há 100 anos, mas muitos alarmistas usam furacões e incêndios para tentar vender New Green Deal”, retribuiu Pence.
China
Sobre a relação com a China, Kamala foi taxativa: “Você perdeu a guerra comercial [com a China]. E o que acabou acontecendo foi que a América perdeu 300 mil empregos”.
Pence não baixou o tom. “Perdemos a guerra? Joe Biden nunca lutou contra isso. Joe Biden é como uma líder de torcida da China comunista há décadas”, disse. “Em primeiro lugar, a China é a culpada pelo coronavírus. E o presidente Trump não está feliz com isso. Ele deixou isso muito claro”, completou.
Em seguida, Harris e Pence voltaram a abordar a economia norte-americana e, enquanto Kamala citou o resgate da indústria automobilística durante a gestão Obama, Pence reforçou que Biden e Obama nada fizeram para conter a falência da indústria de manufatura nos EUA.
Suprema Corte
Os candidatos à vice-presidência comentaram a indicação de Amy Coney Barrett por Donald Trump à Suprema Corte, a fim de preencher a vaga aberta com a morte de Ruth Bader Ginsburg na segunda quinzena de setembro. Pence disse estar animado para ver a juíza, que é assumidamente conservadora, no cargo.
“Não poderíamos estar mais entusiasmados em ver Amy Coney Barrett na Suprema Corte. Ela é uma mulher brilhante (...). Nossa esperança é de que na audiência [de confirmação] da semana que vem [no Senado] ela tenha um tratamento justo e que sua fé cristã não seja atacada. Espero que ela seja respeitada e confirmada [no cargo]”, pediu Pence.
Saiba mais: Por que há latinos que apoiam Trump?
Harris, por sua vez, assim como fez Biden no debate da semana passada, criticou a indicação às pressas de Trump, pelo fato de que a eleição já está acontecendo. Ela reforçou que cerca de 4 milhões de pessoas já votaram de forma antecipada, o que é permitido nos EUA. Para a senadora pela Califórnia, a nomeação deveria ser feita somente no próximo mandato.
A mediadora, Susan Page, também provocou os candidatos a respeito de uma possível reversão do direito ao aborto no país por uma Suprema Corte de maioria conservadora.
Enquanto Harris falou que sempre vai defender “que a mulher tome a decisão pelo próprio corpo”, Pence respondeu: “não tenho como dizer como Amy Coney Barrett vai se posicionar lá na Suprema Corte, mas nós [ele e Trump] sempre defenderemos o direito à vida”.
Violência policial
A violência policial e a onda de protestos que explodiu no país após a morte de George Floyd, no fim de maio, foi outro ponto abordado no debate. Enquanto Kamala Harris defendeu manifestações que pedem pela “igualdade de justiça” e chegou a dizer ser a favor da descriminalização da maconha, Pence comentou que a gestão republicana lamenta as mortes de negros e é contrária a excessos cometidos pelas forças policiais.
O republicano aproveitou, ainda, para completar que Trump sempre condenou grupos de supremacistas brancos. Isso porque no debate presidencial Trump se esquivou de condenar com veemência um movimento extremista.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura