As duas últimas semanas consolidaram a maior crise política da história do Mercosul. Decisões arbitrárias dos países membros, diferenças ideológicas e contradição nos discursos políticos colocam um grande ponto de interrogação no futuro do bloco. O que vai ocorrer a partir de agora?
A crise começou após a suspensão de um dos fundadores da união aduaneira, o Paraguai penalizado pelo processo parlamentar que tirou o ex-presidente Fernando Lugo do poder. O ato acabou entendido por Brasil, Argentina e Uruguai como um golpe de Estado. O afastamento foi selado em Mendonza, no dia 29 de junho. Na mesma ocasião, o Mercosul acolheu, pela primeira vez em mais de duas décadas, um novo membro a Venezuela.
Em menos de um mês, a configuração político-geográfica do Cone Sul mudou. O bloco está maior, tem um país suspenso e vem apresentando divergências entre seus membros. A primeira manifestação veio do governo uruguaio, no início da semana passada, que alegou que a entrada do país de Chávez foi forçada pelos brasileiros. Depois, o Paraguai anunciou que não reconhece os venezuelanos como integrantes da zona de livre comércio.
Para os especialistas, o maior problema é o debate de questões políticas dentro da esfera do Mercosul. "[As decisões de Mendonza] permitem uma conotação política que desvirtua a função do bloco, essencialmente econômico", explica Eduardo Saldanha, professor de direito internacional da FAE Centro Universitário.
Para Saldanha, a suspensão dos paraguaios é um erro, pois mistura comércio e percepção política. Além disso, a entrada da Venezuela também soa como tendenciosa, pois fortalece a ideologia esquerdista do bloco.
"O Mercosul se tornou ideológico com a presença do governo de Hugo Chávez. A Venezuela é vantajosa para os outros países, pois fortalece o aspecto econômico, mas é perigoso imaginar que outras nações podem se afastar do bloco por causa do novo membro", observa Carlos Magno Bittencourt, economista da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
A decisão de suspender o Paraguai e aceitar a Venezuela também pode soar como uma contradição, diz Bittencourt. "Chávez possui um governo, muitas vezes, autoritário e que faz restrições aos meios de comunicação. É uma dicotomia, para quem defendeu a suspensão paraguaia."
A legitimidade das ações tomadas em Mendonza, há quase duas semanas, se encontra nos acordos selados ao longo da trajetória do Mercosul. O Protocolo de Ushuaia (1998), por exemplo, preservava o compromisso democrático entre os membros elemento colocado em jogo pelos parlamentares paraguaios.
"Desde o Tratado de Assunção, assinado por democracias jovens como o Brasil e a Argentina [que tinham acabado de sair de governos militares], a questão democrática é importante para o bloco", defende Álvaro Paes Leme, professor de economia internacional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
De acordo com Leme, para resolver as divergências com o parlamento paraguaio, os líderes do Mercosul precisam esperar pelas eleições, em 2013. Já as declarações do Uruguai podem ser entendidas como ressentimentos de países pequenos, que se sentem marginalizados dentro das decisões intergovernamentais. Segundo o professor, o mesmo ocorre com nações menores na União Europeia.
Economia
No aspecto econômico, é inegável que a entrada da Venezuela será vantajosa, alega Luiz Augusto Faria, economista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialmente para os paraguaios e uruguaios, que precisam do potencial energético encontrado no petróleo venezuelano.
"O presidente Hugo Chávez pode rejeitar o modelo comercial dos Estados Unidos e da Europa, mas mantém um bom socialismo de mercado com a China e outros países emergentes", diz Faria.
Para que tudo fique bem, no entanto, a crise precisa passar.