Acirramento
Quando dissidentes revelaram a existência de instalações nucleares secretas no Irã e uma rede de tevê dos EUA mostrou imagens dos locais, em 2002, começou uma longa e nervosa batalha diplomática:
2003 O Irã assina a adesão ao Protocolo Adicional do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), mas secretamente seu programa é mantido.
2004 Fontes afirmam que o pai da bomba atômica paquistanesa, Abdul Qadeer Khan, poderia estar repassando tecnologia ao Irã.
2005 O Irã anuncia que colocará em funcionamento a conversão de urânio na central de Isfahan.
2006 O Irã anuncia que limitará o acesso da AIEA e que retomará seu programa de enriquecimento de urânio, e o presidente Mahmoud Ahmadinejad (eleito em 2005) confirma que o país enriquece urânio a 3,5%. O Conselho de Segurança da ONU aprova sanções contra o Irã.
2007 A Inteligência dos EUA conclui que o Irã terá dentro de poucos anos, caso assim escolha, a "capacidade técnica" para produzir urânio altamente enriquecido em quantidade suficiente para fabricar uma bomba atômica.
2008 Em campanha eleitoral, Barack Obama afirma que negociará com o Irã sem exigir contrapartidas.
2009 Ahmadinejad é reeleito em votação com suspeitas de fraude e negocia o envio de urânio a outro país, que o devolveria enriquecido no nível necessário ao uso energético e medicinal.
2010 O Irã faz novas ameaças e afirma estar enriquecendo urânio a 20% e ter tecnologia para elevar a porcentagem a 80%. A fabricação da bomba requer 90%. Depois de três levas de sanções ao país persa, EUA e UE pedem nova restrição.
Os argumentos brasileiros para apoiar o plano nuclear iraniano desmoronam diariamente e obrigam o país a rever seu apoio irrestrito ao governo de Mahmoud Ahmadinejad, como deve ocorrer hoje no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Na semana passada, o Irã elevou de um dia para o outro o grau de enriquecimento de urânio que, afirma, tem capacidade de atingir. E não foi pouca coisa: de 5% a 80% num piscar de olhos e, claramente, num blefe, conforme especialistas como Karim Pakzad, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris. Físicos nucleares afirmam que a distância entre o domínio da tecnologia para obter o enriquecimento a 20%, que o Irã anunciou num dia, e 80%, que propalou cinco dias depois, levaria de dois a três anos, até obter os temidos 90% necessários para fabricar a bomba.
Mesmo assim, o chanceler Celso Amorim manteve a seriedade com que trata cada declaração disparatada que parte de Teerã. Diante dos anúncios teatrais do presidente Ahmadinejad de que "poderia enriquecer urânio a 80% se quisesse, mas não quer", Amorim ainda tentou dar razão ao nonsense, afirmando que 20% ainda estaria dentro do Tratado de Não Proliferação Nuclear, mas 80% "já seria obviamente uma violação".
Apesar da teimosia, o Itamaraty foi obrigado a recuar em seu apoio irrestrito. Hoje, o país será obrigado a elevar o tom contra o parceiro iraniano em outro ponto, que vinha evitando: o abuso aos direitos humanos, mais e mais desrespeitados desde a Revolução de 1979.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU faz hoje a revisão periódica universal do Irã, e a diplomacia brasileira deve se pronunciar mais duramente contra abusos no campo humanitário isso depois de se abster de votar texto semelhante da Assembleia Geral da ONU, em dezembro, alegando não ser aquele o fórum adequado. Agora, o chanceler Celso Amorim afirma que as duas questões "não devem ser misturadas".
Como explicar as contradições nacionais? À Gazeta do Povo, o embaixador Rubens Barbosa, que serviu em Washington entre 1999 e 2004, afirmou que o Brasil superestima sua capacidade de influir na questão, sem se dar conta de quão fortes são as posições dos EUA e da Europa.
"O jogo (no Oriente Médio) é muito mais pesado que aqui na região", diz. No caso de Honduras, o Brasil também manteve uma posição contrária ao resto do mundo, e foi um dos poucos a não reconhecer o governo eleito.
Apesar da confusão que marca a atual diplomacia brasileira, os aliados do país na ONU (especialmente EUA e França) não parecem dar muita importância ao que dizemos ou deixamos de dizer. Até porque o presidente Lula respeita decisões do andar de cima. Caso sejam adotadas novas sanções, o Brasil, membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, afirma que irá acatá-las.A posição brasileira pelo diálogo com o Irã é considerada válida por Barbosa, contanto que haja "algo de que nós não sabemos". "O Itamaraty está fazendo (declarações), imagino, com base numa estratégia. Não posso admitir que a nossa posição seja só por afinidade ideológica, um apoio gratuito. Deve ter alguma coisa que o Irã está dizendo para o Brasil."
Seja o que for, Ahmadinejad poderá dizê-lo pessoalmente ao presidente Lula em maio, caso, apesar dos protestos, o brasileiro mantenha sua visita ao Irã.
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