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Desde o início da pandemia de Covid-19, alguns países receberam vários elogios por suas respostas rápidas e coordenadas, enquanto outros foram criticados pelo atraso.
Taiwan, Austrália, Cingapura, Jordânia e a República da Geórgia foram capazes de "achatar" a curva e limitar o surto. Por outro lado, a Espanha, a Itália e os EUA estão lutando para conter a propagação do vírus.
O que os países que lidaram efetivamente com a Covid-19 têm em comum?
Muitos fatores provavelmente contribuíram para o sucesso, incluindo sistemas de saúde preexistentes, agilidade burocrática e a decisão de agir cedo.
Igualmente importante, na minha opinião como cientista político, são as instituições políticas de cada país – sejam autocracias centralizadas, democracias federalizadas ou qualquer outra coisa. Determinar quais funcionam melhor é a parte complicada.
Autocracias e democracias
Alguns regimes autocráticos argumentam que estão equipados de uma maneira única para lidar com a pandemia, fazendo parte do mundo democrático se questionar.
Mas o sucesso de países democráticos como a Alemanha, combinado com o fracasso de autocracias como o Irã, deixa claro que as coisas não são tão simples. Na verdade, a crise surgiu em parte porque a China autocrática não agiu com rapidez suficiente para contê-la.
Um argumento relacionado, porém mais sutil, é que governos mais centralizados são mais capazes de enfrentar crises como o coronavírus. De acordo com essa opinião, países com fortes governos regionais e locais – e especialmente países federalistas como os EUA – estão em desvantagem. Por outro lado, democracias fortemente centralizadas como a França e autocracias como Cingapura estão em melhor posição para agir.
Os benefícios da coordenação central
Não há dúvida de que a liderança centralizada – mesmo quando exercida coercivamente – fornece certos benefícios reais durante uma crise de saúde pública.
Isso ocorre porque as pandemias são um exemplo de um campo em que as políticas públicas podem gerar um forte efeito de transbordamento (conceito em que um evento pode acontecer por causa de outro evento aparentemente não relacionado). Por exemplo, um cidadão pode ser infectado em uma cidade ou estado com regras de distanciamento social fracas e transmitir a doença quando viaja para outra cidade ou estado. Ou os esforços de um estado para acumular máscaras podem produzir uma escassez crítica em outro.
Estados dos EUA, por exemplo, foram forçados a competir por equipamentos de proteção individual, o que gerou ineficiências e uma guerra de licitações. E alguns lugares começaram a reabrir empresas, contrariando o conselho de especialistas. Se esse movimento causar um pico na transmissão, ele poderá se espalhar para outros estados que adotaram posições menos arriscadas.
O papel crítico dos governos locais
Mas os resultados de pesquisas em andamento que estou conduzindo com dois colegas sugerem que o sucesso durante uma pandemia não é apenas uma questão de forte liderança nacional.
Nossas descobertas indicam que os países mais aptos a fornecer serviços públicos locais – incluindo atenção primária à saúde, crítica durante uma pandemia – não são os mais centralizados. Em vez disso, são aqueles que encontram "um bom equilíbrio" entre os poderes dos governos centrais, os do estado e do nível local.
Há várias razões para isso.
Uma abordagem mais descentralizada do governo facilitará o direcionamento das políticas públicas às necessidades de diferentes localidades. Quando a pandemia está concentrada em certas áreas de um único país, por exemplo, pode fazer sentido para as autoridades regionais decidir quando reabrir. E a melhor capacidade de informar dos governos locais, junto com uma maior facilidade de fiscalização das autoridades por parte da cidadania, provavelmente serão mais importantes durante a recuperação econômica.
A Alemanha, por sua vez, desfrutou da forte liderança nacional de Angela Merkel, mas também depende de cada estado para decidir como facilitar o distanciamento social.
Os sistemas federal e descentralizado também permitem que estados e localidades aprendam uns com os outros e imitem o que funciona. Eles pressionam os estados e localidades que estão com maus resultados a melhorar.
Além disso, governos regionais e locais fortes podem servir de ponto de apoio quando a política nacional é insuficiente, limitando os danos do mau governo central.
O exemplo mais óbvio desse fenômeno são os Estados Unidos, onde os sinais confusos do governo de Donald Trump, informações incorretas e tempo de reação lento, sem dúvida, tornaram os EUA mais vulneráveis ao coronavírus. Ao mesmo tempo, estados como Califórnia, Oregon e Washington conseguiram limitar casos locais o suficiente para que agora enviem respiradores para locais onde são mais necessários.
Também na França, os governos regionais e municipais tentaram compensar as falhas do governo central em Paris. Mas as instituições políticas altamente centralizadas do país impuseram fortes limites à sua liberdade de ação.
Não é tão tarde
Não é surpresa, portanto, que a maioria dos países que conseguiram conter o vírus – Alemanha, Taiwan e Austrália, por exemplo – combine coordenação central com envolvimento regional e local ativo.
Certamente, alguns países centralizados – e autocráticos – são histórias de sucesso de coronavírus. Curiosamente, no entanto, estes tendem a ser países relativamente pequenos, com governos muito fortes, por exemplo, Jordânia e especialmente Cingapura. Países centralizados maiores, como China e Rússia, tendem a não ter um bom desempenho. Em outras palavras, quanto maior o território e a população de um país, menos eficaz será uma estratégia puramente centralizadora.
Embora os Estados Unidos e a maioria das democracias descentralizadas ainda não estejam na lista de casos de sucesso, ainda não é tarde para tirar proveito de seus pontos fortes inerentes à recuperação. Para fazer isso, minha pesquisa mostra que os líderes devem preservar a autonomia das autoridades locais, enquanto constroem cooperação e confiança em todos os níveis do governo.
*Charles Hankla é professor de Ciência Política na Georgia State University.
© 2020 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.