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Estados Unidos

“Desastre de proporções bíblicas”: democratas fazem autoanálise e projetam futuro após derrota

A democrata Kamala Harris durante discurso em Washington na quarta-feira (6), no qual reconheceu a derrota para Trump (Foto: EFE/EPA/JIM LO SCALZO)

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Após a segunda derrota para o republicano Donald Trump em três eleições, o Partido Democrata faz uma avaliação interna para tentar diagnosticar onde errou e traçar planos para o futuro da legenda.

A escolha do candidato de 2024 já foi um indicativo da atual bagunça dentro do partido. Em 2020, Joe Biden, eleito presidente naquele ano, disse que se via como um “candidato de transição”, sugerindo que novas lideranças democratas viriam substituí-lo e que ele deveria exercer apenas um mandato.

Porém, alegando que os Estados Unidos estavam muito “divididos”, Biden decidiu tentar a reeleição e praticamente impôs seu nome nas primárias democratas. Depois do seu péssimo desempenho no debate com Trump no final de junho, sofreu pressão para desistir da corrida eleitoral e acabou substituído por sua vice, Kamala Harris, no mês seguinte.

Muitos democratas acreditam que essa demora na troca prejudicou Kamala, mas esse não teria sido o motivo principal da derrota. A desconexão com o eleitorado de baixa e média renda, o mais prejudicado pela alta inflação durante boa parte da gestão Biden, foi o fator decisivo.

A prova dessa insatisfação é que o voto latino em Trump aumentou bastante em relação a 2020 e o republicano cresceu eleitoralmente em redutos democratas como Nova York e Illinois.

“Este é um desastre histórico de proporções bíblicas. O Partido Democrata, da forma que está, está morto. Este é um realinhamento histórico. Havia democratas pró-Reagan. Agora, há democratas pró-Trump”, disse Chris Kofinis, estrategista democrata e ex-chefe de gabinete do senador centrista Joe Manchin (independente, deixou o Partido Democrata este ano), em declarações publicadas pelo The Wall Street Journal.

“As elites deste país se afastaram dos eleitores em todos os lugares porque não queriam ouvir o que os eleitores da classe trabalhadora e média estavam gritando por quatro anos — concentrem-se em nós e em nossos problemas, não em sua agenda para destruir Trump”, acrescentou Kofinis.

O senador Bernie Sanders, ex-democrata que fazia parte da ala mais à esquerda do partido, fez o mesmo diagnóstico.

“Não deveria ser nenhuma grande surpresa que um Partido Democrata que abandonou a classe trabalhadora descubra que a classe trabalhadora o abandonou”, afirmou em uma declaração na quarta-feira (6).

Analistas da imprensa americana, como Chuck Todd, da NBC News, apontaram que o foco dos democratas em pautas identitárias e de costumes, como o aborto, ao invés de se preocuparem com a economia, prejudicou o partido.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Fernanda Brandão, coordenadora da área de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio, concordou com essa avaliação.

“Apesar dos apelos ideológicos, no fim do dia, o que realmente motiva o eleitor a sair de casa e votar é a sua percepção sobre a situação econômica do país e seu bem-estar. A avaliação negativa do governo Biden em torno de questões econômicas parece ser uma das principais explicações para a derrota de Kamala Harris nas urnas”, afirmou.

Nenhum grande nome desponta entre as novas lideranças

Ao contrário de eleições anteriores, nenhum grande novo nome parece despontar para o futuro dos democratas. Kamala, que já foi tratada como o “futuro do partido”, terá que lutar contra um fantasma: candidatos à Casa Branca derrotados não costumam ter segundas chances.

Na quarta-feira, num discurso a apoiadores em Washington, ela pediu mobilização da militância democrata, mas não deu pistas sobre seus próximos passos.

Os nomes cogitados para vice de Kamala na eleição (posição que acabou ficando com Tim Walz, governador de Minnesota) dão um indicativo de quem podem ser os próximos pré-candidatos à presidência democratas.

Entre eles, estiveram Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, Gavin Newsom, da Califórnia, e Gretchen Whitmer, de Michigan.

Porém, como apontado, nenhum deles parece ter (ao menos por ora) o alcance de grandes nomes democratas do passado, como Barack Obama, ou mesmo de republicanos do presente, como J. D. Vance, o vice de Trump, e Ron DeSantis, governador da Flórida.

“Tanto o futuro de Kamala como os futuros nomes predominantes no Partido Democrata vão depender se o partido vai optar por caminhar para um viés cada vez mais progressista ou tentar um nome considerado mais moderado que possa atender também aos republicanos que não estão satisfeitos com Trump como o principal nome do partido”, afirmou Fernanda Brandão.

“É importante lembrar que nomes importantes do Partido Republicano não compareceram nem discursaram na última conferência do partido, como George W. Bush e Mitt Romney. Além de outros nomes do Partido Republicano que abertamente apoiaram a candidatura de Kamala em detrimento de Trump”, disse a analista.

Esse processo de reconstrução democrata certamente será complicado, mas poderá ser facilitado por eventuais erros da gestão Trump ou caso o republicano não consiga cumprir promessas de campanha, como recuperar o poder de compra do trabalhador americano.

“O aumento das tarifas [sobre importações, proposta de Trump] certamente vai afetar o custo final de diversos bens nos EUA, levando ao aumento do custo dos mesmos. Além disso, os países que sofrerem a imposição de tarifas certamente devem retaliar comercialmente os EUA em alguma medida, o que pode gerar mais pressão sobre os preços dos bens no país”, alertou Brandão.

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