Pós-revolta é um território de expectativas, medos e frustrações. A Primavera Árabe derrubou ditadores e, para alguns analistas, os levantes populares devem continuar sacudindo a árvore dos déspotas até que todos venham ao chão. A questão é que a primavera se foi e os povos do Oriente Médio e do norte africano têm de lidar com o dia seguinte e se haver com as consequências da queda de um ditador como Hosni Mubarak, do Egito, ou Zine El Abidine Ben Ali, da Tunísia.
A Praça Tahrir, que foi tomada por manifestantes egípcios pedindo a saída de Mubarak, hoje abriga protestos contra os militares que estão no poder, responsáveis por organizar as primeiras eleições. No entanto, tudo demora demais para acontecer e os anseios alimentados pela queda do ditador do Egito estão se tornando indignações.
As revoltas são, na melhor das hipóteses, o tranco inicial que põe em movimento um processo trabalhoso e demorado de empurrar um país para a democracia. E por demorado entenda muitas décadas. Pense que o sistema político do Brasil é democrático há 25 anos e, de acordo com Semí Cavalcante de Oliveira, "ainda falta alguma coisa".
O professor de Geopolítica da Faculdade de Administração e Economia (FAE) argumenta que os acontecimentos no mundo árabe eram esperados e, embora custem derramamento de sangue e outros tantos problemas, ainda valem a pena porque criam a chance de uma reorganização política.
Oliveira aposta na queda de todos os ditadores árabes, levando a uma nova ordem mundial nos próximos dois anos. "Mas posso estar falando besteira", argumenta o professor.
Samuel Feldberg, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor das Faculdades Integradas Rio Branco, menos otimista, diz que não apostaria na queda de Bashar Assad para ficar no exemplo da Síria. "Essas ditaduras mostraram ter muita resiliência para suportar crises", diz. "É necessário aguardar as mudanças."
Sem líder
Em um texto para o jornal The New York Times, o professor da universidade norte-americana de Duke, na Carolina do Norte, Timur Kuran, afirma que "o resultado imediato mais provável para as revoltas é uma nova série de ditadores ou de partidos únicos" e que os manifestantes "carecem de um líder de estatura".
Também segundo Kuran, enquanto países como Egito e Tunísia mostram ter condições de criar democracias efetivas, outros da região não têm as mesmas condições.
O professor Sidney Leite, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), pós-doutor em conflitos do Oriente Médio e África, cita a edição da revista Foreign Affair referência importante na área em que a capa exibe várias interrogações, perguntando o que virá depois da insurgência popular no Mundo Árabe. "Cada situação deve ser estudada separadamente", diz Leite.
"É um trabalho [implantar uma democracia] de décadas que envolve educação desde a infância, separação clara entre Estado e religião e uma realidade em que os interesses do Estado não serão sobrepostos aos dos cidadãos", diz Feldberg, para quem é difícil responder o que pode ser feito para tornar o processo democrático mais rápido e eficaz nos países árabes.
As revoltas podem ser uma oportunidade para as sociedades se renovarem e construir um futuro para si, mas, na opinião de Leite, o pós-revolta mostra não existir bases históricas e institucionais para a criação de democracias.
Com ditaduras de 40 anos ou mais, os tiranos tiveram chance de enterrar qualquer possibilidade de uma imprensa livre, universidades de qualidade ou sistemas de ensino sérios, exemplos de instituições fundamentais a uma nação democrática. Para que esta se forme, ainda vai um bom tempo.
Retrocesso
"Existe um conceito defendido por historiadores ingleses de que gosto bastante: o da transição. O novo existe, mas o antigo não morreu. É isso que faz a História se mover. Não é certo se haverá um avanço [nos países árabes], pode inclusive haver retrocessos", explica Leite.
Quando não há elo ligando as pessoas e, para piorar, elas se distanciam por causa de ideias ou crenças o que é muito comum nos povos árabes , a transição de um sistema político para outro pode esbarrar na radicalização, com grupos que estavam no poder se recusando a deixá-lo ou a relativizá-lo. Assim aconteceu com os sunitas no Iraque depois do fim de Saddam Hussein (1937-2006).