Depois de ter assinado a autorização para um novo Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), na sexta-feira (30), o então presidente do México, Enrique Peña Nieto, deixou mais cedo a cúpula do G20, na Argentina, para sua última missão presidencial: passar a faixa de comando do país para seu sucessor, Andrés Manuel López Obrador.
O novo presidente mexicano fez seu juramento de posse neste sábado (1º), tornando-se o primeiro presidente de esquerda do México desde a redemocratização, há mais de 30 anos, e o primeiro eleito que não faz parte de um dos principais partidos do país desde 1929. Isso marca uma virada histórica em um país conhecido por sua experiência de abertura de mercados e privatizações. Em seu primeiro discurso ao Congresso, Lopez Obrador prometeu "uma transição pacífica e ordenada, mas que é profunda e radical... porque vamos acabar com a corrupção e a impunidade que impediu o renascimento do México".
O México teve por muito tempo uma economia fechada, dominada pelo Estado, mas desde que entrou no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, em 1986, assinou acordos de livre comércio mais do que quase qualquer outro país e privatizou quase todos os setores da economia, exceto petróleo e eletricidade.
Agora, porém, López Obrador faz um discurso não ouvido no México desde os anos 1960: ele quer construir mais refinarias de petróleo estatais e incentivar os mexicanos a "não comprar no exterior, mas produzir no México o que consumimos".
Mesmo assim, o novo presidente mexicano tentou enviar gestos conciliatórios aos mercados financeiros, que ficaram agitados nas últimas semanas.
"Eu prometo, e sou um homem de palavra, que os investimentos de investidores estrangeiros e internacionais estarão a salvo, e vamos criar condições que lhes permitam obter bons retornos...() Porque no México haverá honestidade, estado de direito, regras claras, crescimento econômico e confiança".
Obrador também deu indicações em relação às políticas sociais a serem adotadas. "Nós vamos governar para todos, mas vamos dar preferência aos mais pobres e vulneráveis", disse Lopez Obrador. "Para o bem de todos, os pobres vêm em primeiro lugar."
Ele ainda prometeu cortar privilégios de altos funcionários, incluindo reduzir seu próprio salário em 60% e colocar o avião presidencial à venda.
O que esperar de seu governo
No entanto, os mexicanos não têm certeza se López Obrador governará como um centrista de mentalidade prática – como fez como prefeito da Cidade do México de 2000 a 2005 – ou um populista autocrático. Embora existam acadêmicos moderados, com formação acadêmica, no novo gabinete, analistas dizem que o poder saiu das mãos dos tecnocratas que dirigiram a política financeira mexicana por décadas.
"Há muita incerteza", disse Alfredo Coutiño, diretor da Moody's Analytics para a América Latina.
O presidente tentou tranquilizar os investidores, dizendo que respeitará a independência do banco central e não expropriará terras. López Obrador também abraçou os esforços anteriores do governo mexicano para preservar grande parte do Nafta nas negociações com o governo Trump.
Outro sinal do pragmatismo de López Obrador é o seu caloroso relacionamento com Washington.
Em seu discurso de posse, o novo líder mexicano fez questão de receber os enviados do presidente Donald Trump para a cerimônia, o vice-presidente Mike Pence e Ivanka Trump, filha e conselheira do presidente. Desde sua eleição em 1º de julho, López Obrador disse em seu discurso: "Fui tratado com respeito por Donald Trump".
O relacionamento, forçado pelos tuítes ofensivos de Trump e pela insistência em um muro na fronteira entre EUA e México, pode em breve ser testado. Trump prometeu bloquear milhares de migrantes que viajaram para a fronteira dos EUA em uma caravana da América Central.
López Obrador prometeu durante sua campanha que não "faria o trabalho sujo de governos estrangeiros" para dissuadir os migrantes da América Central. Mas em uma concessão significativa, seu governo indicou recentemente sua disposição de receber os centro-americanos enquanto aguardam entrevistas de asilo nos Estados Unidos.
Um ato simbólico e uma frase que pegou mal
"No presidente ninguém toca!"
A frase, estampada em uma das paredes do suntuoso complexo Los Pinos, chamou a atenção dos visitantes que, pela primeira vez, puderam circular livremente pela residência oficial dos presidentes mexicanos, neste sábado (1º).
Em decisão carregada de simbolismo, a abertura do local ao público, às 10h, coincidiu com o início da cerimônia de posse do esquerdista López Obrador.
Los Pinos funcionava como residência oficial desde 1934, mas López Obrador decidiu continuar morando em sua própria casa e transformar o espaço de 56 mil metros quadrados em espaço cultural. A partir de agora, os aposentos presidenciais, edificações históricas, incluindo um prédio do século 16, e o amplo jardim terão acesso livre e gratuito.
O primeiro dia de visita, no entanto, teve pouca presença do público, contrariando as expectativas. Até 1h antes da abertura do portão, havia apenas jornalistas no local.
Leia mais: Moderado ou radical? O que esperar do novo presidente do México
A frase, acompanhada de uma placa comemorativa, foi inaugurada em 2013. Trata-se de uma homenagem a dois militares que, em 1913, salvaram o então presidente Francisco Madero de um ataque armado.
O contexto histórico, no entanto, mudou, e o brado foi lido pelos visitantes como símbolo dos privilégios dos antecessores de López Obrador, muitos deles envolvidos em escândalos de corrupção.
"Ninguém conhecia essa frase. Vai contra a lei, a moral e a religião. AMLO não compartilha dela", disse o administrador Mario Medina, 57, referindo-se ao novo presidente pelas iniciais do seu nome.
"É como dizer que eram intocáveis, é muita imposição", disse o assessor parlamentar Rutilo Rosas, 48, empunhando bandeiras do México e do Morena, o partido governista. “Não é correto, AMLO vai acabar com isso”.
Quem é o novo presidente do México
López Obrador, filho de um lojista do estado de Tabasco, no sul do país, é um antigo político da oposição que conquistou a presidência em sua terceira tentativa. Ele construiu sua carreira como um outsider, organizando manifestações em massa para pressionar o governo em questões como supostas fraudes eleitorais.
Ele tem sido altamente crítico das instituições democráticas do México, incluindo tribunais, imprensa e autoridade eleitoral independente, e tem procurado usar referendos públicos informais para obter apoio para seus planos – levantando preocupações de que ele buscará uma forma de governo autocrática e personalista.
"Tornou-se abundantemente claro que a prioridade número um da AMLO é consolidar o poder", escreveu Duncan Wood, diretor do Instituto do México do Centro Wilson, em uma edição recente da revista Americas Quarterly. O novo presidente, escreveu ele, acha que a democratização e a descentralização da autoridade "enfraqueceram a capacidade do governo de trazer ordem ao país" e contribuíram para o aumento dos índices de violência.
López Obrador negou a tentativa de governar como homem forte. Ele começa seu mandato de seis anos com 66% de aprovação, de acordo com o jornal El Financiero – enquanto apenas 26% dos mexicanos aprovam o desempenho do ex-presidente que acabou de deixar o cargo, Enrique Peña Nieto.
Mas o apoio a López Obrador pode diminuir se ele não puder financiar sua agenda ambiciosa. Ele se comprometeu a pagar por programas sociais reduzindo os salários do governo e combatendo a corrupção, mas economistas questionam se isso vai funcionar.
O novo presidente também pareceu recuar em algumas promessas de campanha, como a remoção dos militares do seu papel central no combate ao crime organizado e à violência. Ele anunciou recentemente que, dada a fraqueza e a corrupção da polícia, os militares comandariam uma nova força da Guarda Nacional para manter a ordem.
Juan Torres Aburto, 57 anos, viajou de Acapulco à capital para a posse. Ele estava entre as multidões na ex-propriedade presidencial assistindo a tomada de posse de Lopez Obrador em gigantes telas ao ar livre. "Ele está dizendo todas as coisas certas, mas ainda é um momento nervoso para mim, um momento de incerteza", disse Torres Aburto.
Ele apontou para as estátuas próximas de líderes mexicanos anteriores.
"Eu também votei neles e vejo o que aconteceu. Foi uma bagunça".
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