A Nicarágua realizará, no domingo (7), suas primeiras eleições presidenciais depois dos grandes protestos populares de 2018 contra o ditador Daniel Ortega, que busca obter mais um mandato, ao lado de sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo.
Ortega muito provavelmente conseguirá a reeleição, já que neste ano o seu regime prendeu sete opositores que seriam candidatos à presidência, além de dezenas de outras figuras da oposição.
Nos meses que antecederam a eleição, aumentaram também o assédio e a intimidação a empresários e jornalistas independentes no país centro-americano. Redações foram invadidas, jornalistas foram interrogados e jornais foram fechados.
A pesquisa mais recente, feita pelo CID-Gallup, indica que apenas 19% dos nicaraguenses votariam em Ortega se ele concorresse com qualquer candidato da oposição. Ativistas pediram que os eleitores boicotem as eleições.
Mesmo assim, analistas dizem que não fará diferença se os eleitores forem ou não às urnas. “As autoridades irão dizer no domingo à noite que o comparecimento foi extraordinário e que Ortega venceu com uma montanha de votos”, disse o analista político Enrique Sáenz ao Washington Post.
Países repudiam “desmantelamento da democracia”
As eleições na Nicarágua são “completamente falsas” e nenhum “resultado legítimo” pode ser esperado delas, afirmou nesta semana o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell.
Na sexta-feira, parlamentares de diversos países rechaçaram as “eleições fraudulentas” na Nicarágua. A posição foi manifestada em comunicado conjunto emitido pelos presidentes das comissões de Relações Exteriores das casas legislativas de 17 países, incluindo Estados Unidos, Espanha, Colômbia, Equador, Reino Unido, Ucrânia e Parlamento Europeu.
"Rechaçamos enfática e categoricamente os resultados dessas eleições falsas, os quais já foram determinados de maneira fraudulenta e vergonhosa", aponta nota emitida pelo gabinete de Bob Menéndez, que lidera o Comitê de Relações Exteriores do Senado americano.
O grupo lamentou o "desmantelamento da democracia" na Nicarágua durante o mandado de Daniel Ortega e da mulher, Rosario Murillo, que foi nomeada pelo marido como "co-presidente".
"Ao todo, o regime mantém mais de 150 presos políticos, negando a eles o acesso ao devido processo judicial, a direitos legais, incluindo necessidades básicas como alimentação, água e artigos de higiene pessoal", aponta o texto.
A Câmara dos Representantes dos EUA aprovou nesta semana um pedido de ampliação das sanções contra autoridades da Nicarágua e maior monitoramento sobre recursos enviados ao país. Também na semana anterior à votação, o diretor do Escritório para América Central do Departamento de Estado americano, Patrick Ventrell, disse que essas eleições “não tem nenhuma credibilidade”.
“Estamos entrando em um cenário onde temos uma ditadura”, disse Ventrell em um debate organizados por centros de pesquisa. “E teremos que responder à altura”.
Nos últimos meses, a repressão à oposição na Nicarágua foi condenada pela Organização dos Estados Americanos, União Europeia, a alta comissária de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, entre outros.
Prisão de opositores
O número de críticos do regime capturados na Nicarágua, classificados como “presos políticos” pela oposição, é de pelo menos 155, informou em setembro o Mecanismo para o Reconhecimento de Presos Políticos. Desses, 37 foram detidos desde maio deste ano – incluindo sete pré-candidatos à presidência.
Cristiana Chamorro, que era a candidata com maior probabilidade de derrotar Ortega, foi presa por "traição à pátria" e suposta lavagem de dinheiro e está em prisão domiciliar desde junho, impedida de participar nas eleições a pedido do Ministério Público, que é chefiado pela ex-guerrilheira sandinista Ana Julia Guido.
Além disso, também foram excluídos das eleições devido à prisões e investigações judiciais promovidas pelo regime de Ortega, Arturo Cruz, ex-embaixador da Nicarágua nos EUA, preso ao retornar de uma viagem a Washington; Félix Maradiaga, Juan Sebastián Chamorro, o jornalista Miguel Mora, o líder camponês Medardo Mairena e Noel Vidaurre.
O jornalista Miguel Mora, que era candidato à presidência, já havia sido preso no contexto das manifestações de 2018. Ele é o fundador, proprietário e ex-diretor de um canal de televisão que foi fechado pelas autoridades da ditadura.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) exigiu nesta semana que a Nicarágua libertasse Cristiana Chamorro e outros 13 prisioneiros. Segundo a Corte, o caso dessas pessoas se enquadra “em um contexto de assédio àqueles que se manifestam em oposição às políticas do atual governo da Nicarágua, seus colaboradores e trabalhadores mais próximos, o que foi exacerbado este ano diante da iminência das eleições gerais que ocorrerão nos próximos dias”.
Reforma eleitoral
No ano passado, o regime de Ortega chegou a um acordo com a OEA para tornar o sistema eleitoral da Nicarágua mais justo e transparente. O prazo para que as medidas fossem implementadas se encerrou em maio, justamente quando Ortega nomeou aliados para as sete vagas do Conselho Supremo Eleitoral e implementou uma série de leis que limitaram a participação de candidatos da oposição e praticamente deixaram as eleições sob controle absoluto de seu regime.
Com essa reforma, aprovada pela Assembleia Nacional dominada por aliados da ditadura, funcionários do governo podem prender ou desqualificar dos seus cargos qualquer cidadão que tenha expressado desaprovação ao presidente, incluindo jornalistas e políticos.
Ex-líder guerrilheiro
Daniel Ortega, 75 anos, é um ex-líder guerrilheiro da revolução Sandinista, que derrubou a ditadura de Anastasio Somoza em 1979. Ele liderou o governo socialista da Frente Sandinista de Libertação Nacional na Nicarágua enquanto o país enfrentava os rebeldes Contras, apoiados pelos EUA.
Ele voltou à presidência em 2007 e busca agora o seu quarto mandato consecutivo de cinco anos. Em 2014, seus aliados alteraram a Constituição para que ele pudesse se candidatar a reeleição indefinidamente.
Desde 2018, Ortega enfrenta uma crise política detonada por protestos em massa contra medidas da ditadura. Forças do regime repreenderam os protestos, que tiveram 328 mortos e deixaram milhares de exilados, segundo a CIDH. Para Ortega, tratou-se de uma fracassada tentativa de golpe apoiada por Washington.
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