A manutenção de uma silhueta enxuta, apesar da ingestão de alimentos com altas taxas de gordura, pode estar associada a duas letras e dois números: CD38. O gene, que há quatro anos tem as suas atividades exploradas por pesquisadores da Clínica Mayo e da Escola de Medicina de Harvard, nos EUA, mostrou exercer função reguladora no peso corporal e na obesidade de camundongos analisados em laboratório. Segundo os autores do estudo, que será publicado na edição de novembro do "FASEB Journal", uma publicação da Federação das Sociedades Americanas para a Biologia Experimental", na ausência do CD38 os animais que consumiram calorias em excesso não ganharam peso. Com o gene presente, os camundongos submetidos à mesma dieta se tornaram obesos.
- A deficiência do gene CD38 promoveu uma barreira contra o aumento de peso em camundongos submetidos a dieta rica em gorduras - disse o anestesiologista brasileiro Eduardo Chini, de 39 anos, autor-correspondente do estudo, que ainda conta com a participação de outras duas brasileiras, as pesquisadoras Maria Thereza Barbosa e Sandra Soares, que trabalham com Eduardo na Mayo.
A atuação nos seres humanos ainda precisa ser comprovada.
"Por acaso"
A descoberta foi feita "por acaso", quando os pesquisadores tentavam provar a relação entre o CD38 e a longevidade nos animais. Isso porque uma série de evidências bioquímicas apontava o CD38 como o responsável por codificar uma enzima capaz de inibir o SIRT1, um dos genes associados à longevidade.
Só que o SIRT1 também é responsável por ativar um receptor químico, o PGC1, que exerce função fundamental no controle do metabolismo, podendo neutralizar os efeitos da obesidade. Desta forma, os pesquisadores constataram que a presença do CD38 não inibia apenas o SIRT1, mas também a expressão do PGC1, provocando aumento de peso. Na ausência do CD38, os camundongos mostraram-se protegidos contra a obesidade.
- Sem a presença do CD38, o SIRT1 é ativado, promovendo o aumento do metabolismo e a redução dos depósitos de gordura, além de outros benefícios para a saúde - disse o anestesiologista brasileiro.
Os pesquisadores estudaram dois grupos de camundongos: um com o gene CD38 e outro sem. Cada grupo foi colocado em uma dieta altamente calórica (rica em gorduras). Num segundo momento, os grupos foram submetidos a uma dieta padrão, com baixa quantidade de gorduras. Ao fim dos testes, a gordura corporal dos camundongos que tinham o CD38 e seguiam a dieta hipercalórica tinha praticamente quadruplicado. O peso quase dobrou. Após oito semanas, os animais começaram a apresentar sinais de intolerância à glicose, forte indicador de diabetes.
- Oito meses depois, apenas metade dos camundongos com o gene continuam vivos - contou o anestesiologista brasileiro.
Entre os animais que não apresentavam o CD38, a taxa de sobrevida foi de 100%.
- Apesar da dieta rica em gordura e da falta de exercícios, os camundongos sem o gene mantiveram a gordura e o peso corporal inalterados, o que sugere que a deficiência do CD38 traz um efeito protetor contra a obesidade induzida por dietas ricas em gorduras.
Segundo Eduardo, os pesquisadores já estão em conversação com empresas farmacêuticas interessadas em desenvolver uma droga capaz de inibir a função do CD38 - e que poderia ser usada de forma complementar nos tratamentos contra a obesidade e o diabetes. Mas isso, segundo ele, é coisa para daqui a pelo menos 10 anos.
- Apesar da existência de evidências laboratoriais e trabalhos relacionando a presença do CD38 nos seres humanos ao desenvolvimento da síndrome metabólica responsável por um conjunto de doenças, como obesidade, pressão alta e diabetes, ainda são necessários testes comprobatórios antes do desenvolvimento de uma droga capaz de inibir a função deste gene - explicou Eduardo. - Uma vez desenvolvido o medicamento, este ainda terá que passar por uma série de testes em animais antes de começar a ser testado em humanos - o que pode levar cerca de cinco anos. Para que o remédio chegue no mercado, seriam necessários pelo menos mais cinco anos adicionais de pesquisas.
Para quem não tem tanto tempo a perder, Eduardo é categórico.
- Nesse momento, mesmo com todo o desenvolvimento cientifico, o melhor tratamento contra a obesidade ainda é a velha receita dieta e exercícios - avalia o pesquisador. - Sempre com a supervisão de um médico.
Enquanto as negociações se desenrolam, o grupo de pesquisadores dá prosseguimento ao estudo sobre a longevidade dos animais obesos e estuda possíveis relações do CD38 a outras doenças, como o Alzheimer. Isso porque, segundo o anestesiologista brasileiro, há evidências relacionando os níveis de SIRT1 ao mal. Atualmente, os pesquisadores analisam como este processo se dá a nível celular, nos neurônios.
Mas um estudo mais aprofundado sobre a importância do gene na proteção das células do sistema nervoso, ainda deve demorar um pouco para começar.
- Faltam verbas - revela o co-autor do estudo, que foi financiado pela Associação Americana do Coração e pela Clínica Mayo.
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