Em um sinal extraordinário das crescentes tensões na Europa, o governo francês retirou o seu embaixador da Itália nesta quinta-feira (7). A medida marcou uma deterioração alarmante das relações entre o governo centrista do presidente francês Emmanuel Macron e a coalizão populista no poder em Roma.
Nos últimos meses, os dois vice-primeiros-ministros da Itália – Luigi Di Maio, do Movimento Cinco Estrelas, e o líder de direita, Matteo Salvini – aumentaram suas críticas a Macron e expressaram apoio aos manifestantes “coletes amarelos” anti-governo da França. A última provocação aconteceu em uma reunião nesta semana entre Di Maio e líderes dos coletes amarelos, que pretendem nomear candidatos para as eleições parlamentares da Europa em maio. O “vento da mudança atravessou os Alpes”, disse Di Maio pelo Twitter.
Autoridades francesas ficaram horrorizadas com o fato de um alto funcionário do governo italiano ter quebrado o protocolo desta forma, confraternizando com a oposição sem sequer notificar seus pares em Paris.
“A França tem sido, por vários meses, objeto de repetidas acusações, ataques infundados e declarações ultrajantes que todos conhecem”, disse o Ministério de Relações Exteriores da França em um comunicado. “Isso é inédito desde o fim da guerra”.
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Ainda não está claro por quanto tempo Christian Masset, o representante francês que foi mandado de volta para casa “para consultas”, deve permanecer em Paris. O que está claro é a crescente sensação de crise na relação entre vizinhos e parceiros europeus. “A retirada foi um distanciamento marcante da política tipicamente amigável da Europa Ocidental do pós-guerra, onde as diferenças entre os aliados vizinhos raramente atingiram um ponto de tensão”, observaram os colunistas James McAuley e Chico Harlan, do Washington Post.
Tanto Salvini quanto Di Maio contra-atacaram nas redes sociais. “Para mim, essa reunião não foi uma provocação contra o atual governo francês, mas sim uma importante reunião com uma força política com a qual temos bastante em comum, incluindo a necessidade de democracia direta para dar mais poder aos cidadãos”, escreveu Di Maio no Facebook.
“Os jornalistas me ligaram porque a França convocou o embaixador francês na Itália de volta para Paris porque se sentiram ofendidos”, disse Salvini na tarde de quinta-feira em um vídeo ao vivo no Facebook. “Eu apenas respondi: ‘Eu não quero discutir com ninguém. Eu não me importo com discussões. Eu quero resolver problemas’”.
Ambos os políticos nutrem queixas reais contra a França e Macron. Eles criticam o governo francês por não se esforçar o suficiente para receber imigrantes que atravessam o Mediterrâneo vindos da África. Eles se ofendem com os discursos de Macron sobre valores e integração na Europa. E culpam políticos como Macron e a chanceler alemã Angela Merkel por perpetuar políticas fiscais que aprisionaram a Itália em ciclos de endividamento.
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“A França é um alvo muito fácil por causa dos desafios – na Líbia, na economia e até no futebol”, disse Mattia Diletti, professor de política da Universidade Sapienza, em Roma, ao jornal The Guardian. “Macron também é o tipo de pessoa de elite que eles gostam de atacar, pois é exatamente o contrário do que eles são”.
Salvini prometeu quebrar “o eixo França-Alemanha” nas eleições da UE e cortejou outros grupos de extrema-direita, bem como governos iliberais da Europa Oriental. Di Maio acusou recentemente as políticas francesas de alimentar a pobreza e a migração do outro lado do Mediterrâneo. A França “nunca parou de colonizar a África”, disse ele – observações que levaram o governo francês a convocar de volta o embaixador na Itália.
As tensões acaloradas são, em parte, um reflexo da rivalidade entre os próprios Di Maio e Salvini. Em entrevista ao Today's WorldView no final de 2017, Di Maio insistiu que seu partido “não tinha intenção de isolar a Itália” ou de “exaltar sentimentos nacionalistas”. Mas uma vez que seu movimento anti-establishment, o Cinco Estrelas, entrou em um governo de coalizão com a Liga de Salvini – um partido escancaradamente anti-imigrante, de extrema direita – Di Maio foi forçado a fazer acomodações para o nacionalismo estridente de seu parceiro. Com as eleições da UE se aproximando e os dois vice-primeiros-ministros do país fazendo campanhas rivais, Macron serviu como saco de pancadas útil para ambos, um símbolo do centrismo obsoleto e dos compromissos elitistas do mainstream do continente.
Os ataques a Macron também oferecem uma distração enquanto a economia da Itália continua a cair – de acordo com alguns relatos, o país já entrou em recessão.
“É uma das consequências do populismo nacional, que é tentar encontrar inimigos”, disse o ex-primeiro ministro italiano Paolo Gentiloni, em Washington, na quinta-feira. “Você precisa encontrar inimigos dentro e fora do seu país para manter o consenso unido”. Mas, Gentiloni acrescentou com preocupação, “você não pode apontar para um inimigo em um país vizinho e amigável”.
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De sua parte, Macron conseguiu se livrar em grande parte dos ataques vindos do outro lado dos Alpes. Pesquisas de opinião mostram que sua popularidade está aumentando, mesmo no momento em que os “coletes amarelos” se transformam de um movimento de protesto movido pelas redes sociais em um desafio político constante.
Mas as falhas sísmicas do continente estão se aprofundando. Espera-se que os partidos de extrema-direita e nacionalistas se saiam bem nas eleições de maio, aumentando a já profunda apreensão que se abate sobre Bruxelas. O caos do Brexit freou outros movimentos contra a União Europeia no continente, mas a latente reação contra o establishment liberal da Europa permanece. Líderes de direita como o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, imaginam um novo eixo de nacionalistas, Salvini entre eles, que irá remodelar a política do continente – e, por extensão, sua identidade social e cultural.
As disputas entre os populistas da Itália e Macron podem parecer politicagem mesquinha, mas também são duelos em uma guerra que está apenas começando.