A Polícia de Imigração e Alfândega chama o centro de detenção de Dilley, no Texas, de “núcleo residencial familiar”. Mas, para as duas mil mulheres e crianças estrangeiras que vivem ali, o lugar tem outra representação.
“Quem diz que isto aqui não é cadeia está mentindo. É prisão, sim, para nós e para nossos filhos, e ninguém é bandido”, disse Yancy Maricela Mejia Guerra, natural da América Central, para a rede de TV americana Fusion no ano passado.
Segundo a ONU, cerca de 0,8% da população do planeta está desalojada. Uma crise que exige uma solução humanitária — mas há quem a veja como uma oportunidade de lucro. Dilley abriga os detidos de uma agência governamental, mas é administrado pela Corrections Corporation of America, maior empresa privada de administração de presídios dos EUA. O centro faz parte de uma tendência global preocupante: a de manter amontoados imigrantes e refugiados, em locais remotos, para obtenção de lucro.
De umas décadas para cá, muitos governos ocidentais vêm terceirizando a administração de presídios a empresas privadas, alegando economia. Com o aumento no número de imigrantes e refugiados, descobriram um novo uso para o modelo.
O resultado é um setor multimilionário: a Hero Norway é responsável por 90 núcleos de refugiados na Noruega e dez na Suécia. Cobra das autoridades de US$ 31 (R$ 122) a US$ 75 (R$ 299) pela diária de cada pessoa. O governo australiano contratou a Broadspectrum para administrar dois campos para estrangeiros em busca de asilo, em Nauru e na Papua Nova Guiné. No Reino Unido, o primeiro-ministro David Cameron garantiu à Serco um contrato de sete anos, a partir de 2014, no valor de mais de US$ 100 milhões (R$ 400 milhões), para administrar o centro de detenção de imigrantes de Yarl’s Wood.
É comum essas companhias serem atingidas por escândalos e/ou acusadas de abusos. A Corrections Corporation of America tem um longo histórico de desrespeito às leis federais e à segurança dos detentos. A Serco foi acusada de treinar seu pessoal de forma inadequada e de superfaturar um serviço de qualidade sofrível. Um dos médicos que trabalhou em um centro administrado pela Broadspectrum em Nauru disse ao jornal britânico The Guardian que o local “lembrava Guantánamo”.
É pouco provável que a onda atual de refugiados diminua tão cedo. As guerras no Oriente Médio continuam, bem como a epidemia de violência de gangues da América Central. As mudanças climáticas vão forçar milhões de pessoas a deixar suas casas nos anos que virão. Os governos têm que aceitar que jogar essas pessoas dentro de centros de detenção com fins lucrativos não é a solução.
As versões públicas desse abrigos não garantem, necessariamente, mais respeito pelos direitos humanos, mas pelo menos há provas de que o controle governamental resulta em melhorias. Um relatório de 2014 da União Americana pelas Liberdades Civis, por exemplo, descobriu que os centros de detenção privados dos EUA eram mais lotados e que os detentos tinham menos acesso a programas educacionais e atendimento médico de qualidade. Os públicos, apesar dos problemas, são mais transparentes.
E opacidade é o denominador comum do sistema privatizado de detenção ao redor do mundo. Na Austrália, Europa e EUA, os jornalistas têm menos acesso a ele do que às cadeias públicas; os governos mantêm um nível menor de supervisão. E não é coincidência.
“Quando alguma coisa dá errado – uma morte, uma fuga – o governo pode jogar a culpa no mercado, sem ter que assumir que foi erro seu”, resumiu ao New York Times Matthew J. Gibney, cientista político da Universidade de Oxford.
Os defensores do sistema privado alegam que ele economiza o dinheiro do contribuinte, o que parece pouco provável. O governo norte-americano gasta mais em detenção de imigrantes hoje do que há dez anos, quando o número de estrangeiros que atravessavam a fronteira era maior. A Corrections Corporation of America e outras empresas convenceram os políticos a manter mais gente atrás das grades em vez de deportá-las: o Congresso exige pelo menos 34 mil pessoas nos centros de detenção diariamente, também conhecida como a “cota de leitos”.
Para obter lucros, não basta manter os leitos ocupados, mas quase sempre faz com que as empresas deixem de prestar serviços adequados – o que significa que a assistência de saúde mental, as atividades ao ar livre e a alimentação saudável são muito menos frequentes nos centros privados. No ano passado, a ONU descreveu um campo de refugiados em Traiskirchen, na Áustria, administrado pela suíça ORS Service, como “desumano” devido ao excesso de pessoas. Relatos semelhantes são comuns não só nos limites da Europa, mas ao redor do mundo.
Os governos que recebem imigrantes e refugiados devem acabar com a dependência das empresas particulares. A prática atual é uma solução de curto prazo que, em longo, acabará custando mais caro e submeterá os detidos a condições cada vez piores. Enquanto isso, as autoridades, de Camberra a Viena, passando por Washington, deveriam instituir análises de custos independentes para garantir que os centros particulares ofereçam ao contribuinte a melhor relação custo-benefício. Deveriam também estimular uma supervisão mais adequada, não só de suas próprias agências como da imprensa – sem contar que a tal da cota de 34 mil leitos deveria cair imediatamente.
Em seu relatório anual de 2014, a Corrections Corporation of America temia que as mudanças na política imigratória dos EUA diminuíssem os lucros da empresa. Muitas outras companhias estão na mesma situação. Vamos esperar para que estejam mesmo com medo, pois, a menos que os governos promovam mudanças drásticas agora, tudo indica que essas corporações ficarão cada vez mais ricas graças aos milhões de pessoas que abandonam tudo para fugir de seus lares, desesperadas em busca de segurança.