Nas entrelinhas da discussão corrente sobre o Haiti, muita gente revela descrença, tanto no Haiti quanto na ajuda estrangeira. O religioso Pat Robertson foi mais além ao sugerir que o terremoto é derivado de um pacto com o diabo ocorrido há mais de dois séculos. Embora não seja o papel de um jornalista criticar as credenciais teológicas de um guia espiritual, a implicação de uma vingança sísmica tardia sobre crianças haitianas parece blasfêmia.
O Haiti não é pobre porque o diabo cobrou sua dívida; o país é pobre em parte devido a débitos. A França impôs um débito enorme, que sufocou o Haiti. Além disso, quando não eram os estrangeiros saqueando o Haiti, seus próprios governantes o faziam.
A maior exploração foi o desmatamento do Haiti, de forma que atualmente apenas 2% do país possui floresta. Algumas árvores foram e continuam sendo cortadas por camponeses locais, mas muitas foram destruídas por estrangeiros ou para pagar dívidas com estrangeiros.
Sem árvores, o Haiti perdeu solo arável devido à erosão, inviabilizando a agricultura.
Será que bilhões de dólares em ajuda humanitária para os haitianos podem conseguir alguma coisa? Se a ajuda internacional promove ou não o crescimento econômico, é uma discussão acirrada e ainda não resolvida. No entanto, até mesmo as pessoas que mais criticam esse tipo de ajuda como William Easterly, economista da New York University acreditam na assistência ao Haiti após o terremoto.
Mas será que o comentarista Bill OReilly estaria certo? "Mais uma vez, vamos fazer mais do que qualquer outro país do planeta, e daqui a um ano o Haiti estará tão mal quanto agora."
Não, ele não está certo. E esse é o mito mais prejudicial de todos. Na verdade, nos últimos anos o Haiti tem sido muito melhor administrado pelo presidente René Préval e deu sinais de estar se recuperando.
Muito mais do que a maioria dos países pobres particularmente os africanos , o Haiti poderia plausivelmente progredir. O país possui uma localização geográfica excelente, não há guerras regionais, e poderia viver um boom se conseguisse exportar para o mercado americano.
Um relatório das Nações Unidas elaborado pelo importante economista britânico Paul Collier salientou a melhor estratégia para o Haiti: construir fábricas de vestuário. É uma estratégia que funcionou em outros países, como Bangladesh. Algumas dezenas de grandes fábricas de roupas poderiam transformar o Haiti.
Assim, nos próximos meses, vamos enviar não apenas agentes humanitários ao país, mas também novas fábricas.
E vamos desafiar o mito de que, pelo fato de que o Haiti sempre foi pobre, ele sempre será pobre. Esse tipo de fatalismo auto-realizável pode ser a maior ameaça de todas ao Haiti o verdadeiro pacto com o diabo.