Mais de 1,66 milhão de imigrantes que tentaram atravessar irregularmente a fronteira sul do Estados Unidos foram detidos por agentes americanos nos últimos doze meses. Esse é o número de detenções mais alto já registrado na fronteira entre EUA e México e representa uma grande crise para o governo do presidente americano Joe Biden. Os dados foram divulgados na sexta-feira (22) pelo Serviço de Alfândegas e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) e se referem ao ano fiscal de 2021, que terminou em setembro.
O número de brasileiros que tentaram entrar nos EUA também teve um aumento significativo neste ano. Entre outubro de 2020 e setembro deste ano, ocorreram mais de 56 mil detenções de brasileiros na fronteira sul, a maioria famílias, segundo dados do CBP. Apenas em setembro, foram 10.445 brasileiros detidos por agentes na fronteira sul do país. Em todo o ano de 2019, esse número foi de 17,9 mil.
O recorde anterior era do ano de 2000, quando agentes de fronteira americanos detiveram 1,64 milhão de migrantes (de todas as nacionalidades), de acordo com os dados que são reportados desde 1960.
Vários fatores contribuíram para o aumento da migração aos EUA, principalmente a pandemia de Covid-19, que afetou a economia mundial. Mas também, a impressão causada pelo governo Biden de que seria mais fácil entrar nos EUA.
Perfil do brasileiro mudou
“Muitos tiveram a impressão de que agora, com o governo Biden, pode entrar todo mundo. Mas não foi bem assim”, disse Felipe Alexandre, advogado de imigração e fundador da AG Immigration, um escritório de advocacia imigratória dos EUA. Segundo ele, as pessoas interpretaram que seria muito mais fácil entrar nos EUA durante o governo Biden, mas essa maior facilidade se aplica apenas a pessoas que têm mais qualificações profissionais ou que sofrem ameaças em seus países de origem.
“O Brasil não é um país que manda muitos refugiados. Você tem que comprovar que está enfrentando perseguição política ou religiosa”, afirma Alexandre, acrescentando que brasileiros que conseguem asilo nos EUA são os que comprovam estar em risco por causa de violência doméstica ou sua orientação sexual, por exemplo.
Segundo o advogado, o perfil do brasileiro que busca se mudar para os EUA mudou nos últimos dez anos. Os brasileiros que vão para fazer um trabalho mais braçal continuando chegando ao país norte-americano, mas aumentou muito o número daqueles que buscam ficar no país por suas qualificações profissionais.
A estratégia usada por muitos migrantes que conseguem atravessar a fronteira é se entregar às autoridades. “Eles terão uma entrevista. Se passarem nessa entrevista, têm chance de serem liberados com uma fiança ou em alguns casos sem fiança. É assim que está acontecendo”, explica Alexandre.
Críticas ao governo democrata
Uma regra de saúde pública implementada pelo governo de Donald Trump no início da pandemia, em 2020, continua sendo usada pela administração Biden para justificar a expulsão de migrantes que chegam ao país. Nos últimos 12 meses, a Patrulha da Fronteira expulsou mais de um milhão de migrantes com base nessa lei, chamada Title 42.
Republicanos têm culpado o governo Biden pela atual crise, dizendo que a derrubada de políticas mais rígidas da era Trump foi um incentivo para que os migrantes tentassem cruzar a fronteira. Já o governo Biden diz que o aumento do fluxo de migração é causado pela situação de pobreza e violência nos países de origem.
“O que estamos vendo na fronteira sul é uma crise”, disse Mike Pompeo, secretário de Estado do governo Trump, no Twitter na sexta-feira. “Se a administração Biden tivesse mantido as políticas que tínhamos em vigor, isso não teria acontecido”.
As críticas partiram também de alguns ativistas e políticos democratas, especialmente em relação à resposta das autoridades ao aumento da travessia ilegal de haitianos no mês passado, quando cenas de agentes a cavalo causaram controvérsia. Muitos também criticaram o governo pelo envio de haitianos de volta ao seu país com base no Title 42, o que estaria impedindo os haitianos de pedir asilo.
Números recordes
O número de crianças encontradas por agentes americanos na fronteira sem pais ou guardiães também foi o maior já registrado. Mais de 147 mil crianças desacompanhadas foram encontradas nos últimos doze meses. Cerca de 11 mil crianças permanecem sob a custódia do governo americano, segundo o New York Times.
O México é a maior fonte de migração ilegal aos EUA no último ano, com mais de 608 mil mexicanos detidos na fronteira. Em seguida estão os centro-americanos Honduras (308 mil) e Guatemala (279 mil).
As detenções de haitianos tiveram uma alta acentuada em 2021, com mais de 45 mil cidadãos do Haiti presos na fronteira dos EUA com o México.
Países da América do Sul também são a origem de um número significativo de migrantes em situação irregular nos EUA. Mais de 95 mil equatorianos foram detidos na fronteira sul nos últimos doze meses. No mesmo período, houve a detenção de mais de 47 mil venezuelanos e de 5,8 mil colombianos.
O número alto de detenções pode ser explicado em parte porque as expulsões com base no Title 42, que rapidamente mandam as pessoas de volta aos seus países de origem, provocaram um número incomum de migrantes cruzando a fronteira e sendo presos diversas vezes, segundo a Forbes.
Fluxo “sem precedentes” de brasileiros
O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, conversou nesta semana com Carlos França, ministro das Relações Exteriores do Brasil, sobre o fluxo “inédito” de migração do Brasil aos EUA. Em telefonema na terça-feira (19), os chefes da diplomacia dos dois países debateram sobre como colaborar para reduzir o número de migrantes a caminho dos EUA.
Blinken e França discutiram “os movimentos migratórios irregulares sem precedentes pelo hemisfério” e como as duas nações poderiam trabalhar juntas para “frear o crescimento descontrolado de migrantes irregulares da região”, disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, segundo a Reuters.
Para conter o fluxo migratório irregular, Washington pediu que o México passasse a exigir visto de visitantes brasileiros, o que não acontecia desde 2004, e por isso os migrantes tinham um caminho mais fácil rumo aos EUA.
Blinken ainda elogiou o Brasil por sua “liderança em assistir às populações vulneráveis de migrantes, incluindo haitianos e venezuelanos”.
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