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Suspeitos combatentes do Estado Islâmico são detidos em uma casa abandonada que se tornou um tribunal improvisado, em Qaraqosh, Iraque | SERGEY PONOMAREV/NYT
Suspeitos combatentes do Estado Islâmico são detidos em uma casa abandonada que se tornou um tribunal improvisado, em Qaraqosh, Iraque| Foto: SERGEY PONOMAREV/NYT

A dona de casa de 42 anos teve 2 minutos para se defender contra acusações de apoiar o Estado Islâmico. 

Amina Hassan, uma mulher turca vestida com uma burca preta e larga, disse ao juiz iraquiano que ela e sua família tinham entrado na Síria e no Iraque ilegalmente e que viveu no dito Califado do Estado Islâmico por mais de dois anos. Mas, acrescentou: "Nunca aceitei dinheiro deles. Eu trouxe meu próprio dinheiro da Turquia".  

O julgamento todo durou 10 minutos antes do juiz lhe condenar à morte por enforcamento.  

Outra turca acusada entrou no tribunal. E depois outra e outra. Em um espaço de duas horas, 14 mulheres foram julgadas, condenadas e sentenciadas à morte.  

A justiça iraquiana foi implacável nas sistemáticas condenações contra o terrorismo desde que as vitórias sobre o EI no ano passado levaram à captura de milhares de combatentes, oficiais e familiares do grupo. As autoridades os acusam de ajudar a sustentar o poder do terrível grupo por três anos em quase um terço do país.  

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Enquanto milhões de iraquianos lutam para se recuperar do derramamento de sangue e da destruição desse período, o primeiro-ministro Haider al-Abadi encontrou amplo apoio público para acelerar o ritmo dos processos – e para levar a punições no limite máximo permitido por lei, que no Iraque significa execução.  

"Os membros do EI cometeram crimes contra a humanidade e contra o nosso povo no Iraque, em Mosul, em Salahuddin, em Anbar, em todos os lugares. Para ser leal ao sangue derramado e ao povo iraquiano, os criminosos devem receber a pena capital”, disse o General Yahya Rasool, porta-voz do comando de operações conjuntas iraquiano.

Mas os críticos dizem que estes julgamentos sistemáticos em tribunais especiais contraterrorismo estão afetando parentes e pessoas que apenas estavam no lugar errado, assim como militantes do grupo, e executando a maior parte das pessoas em um processo mais preocupado com a justiça restaurativa do que com a justiça de fato.  

Falhas irreversíveis

O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos advertiu que falhas nos processos judiciais provavelmente levariam a "falhas irreversíveis" de justiça.  

A organização Human Rights Watch tem criticado o Iraque por se basear em uma lei excessivamente ampla para alcançar rapidamente o castigo máximo contra a maioria das pessoas.  

As leis antiterrorismo do país permitem a pena de morte para qualquer pessoa "que cometa, incite, planeje, financie ou auxilie atos de terrorismo". Assim, tribunais iraquianos estão distribuindo punições de "tamanho único" para autores de crimes contra a humanidade, bem como para a esposa de algum militante do EI que pode ter pouco a dizer sobre a carreira do marido.  

As circunstâncias individuais não importam. Cozinheiros, médicos, trabalhadores, todos estão recebendo a pena de morte", disse Belkis Wille, pesquisadora sênior do Iraque para a Human Rights Watch.  

A baixa tolerância para condenação nos termos da lei, disse ela, também significa que os tribunais não estão se incomodando em investigar alguns dos piores crimes cometidos por membros do EI, como escravidão, estupro ou mortes extrajudiciais.  

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O ministro da Justiça iraquiano rejeita tais críticas e elogia a integridade de seus juízes e o padrão do processo legal. 

"Se existem provas, os suspeitos são processados, e se não há provas, são liberados", disse Abdul-Sattar al-Birqdar, juiz e porta-voz do ministro da Justiça.  

Número de detidos

O governo não liberou as estatísticas sobre os detidos por terrorismo, mas duas pessoas familiarizadas com o tribunal, que não foram autorizadas a falar com os jornalistas, disseram que cerca de 13 mil pessoas foram detidas por suspeita de ligações com o EI desde 2017, quando a grande maioria das prisões aconteceu.  

A Human Rights Watch estimou em dezembro que pelo menos 20 mil acusados de ligações com o EI foram presos pelas autoridades iraquianas. Em março, a agência de notícias Associated Press relatou que o Iraque tinha detido ou aprisionado pelo menos 19 mil pessoas desde 2014 sob acusações de ligação com o EI ou outros crimes relacionados ao terrorismo.  

Muitos desses detidos foram presos no campo de batalha. Outros, longe de combate, com base em informações recolhidas por informantes e interrogatórios na prisão.  

Oficiais da inteligência iraquiana dizem que os detidos mais valiosos, pessoas acusadas de envolvimento em ataques terroristas específicos, são mantidos separados da maioria dos prisioneiros, que são suspeitos de serem engrenagens menores dentro da burocracia do EI.  

Desde o verão de 2017, mais de 10 mil casos foram julgados por tribunais, disseram aqueles familiarizados com o processo. Até hoje, contaram que foram aproximadamente 2,9 mil julgamentos completos com uma taxa de condenação em cerca de 98%. 

Eles não informaram quantas pessoas tiveram a pena de morte decretada, ou quantas execuções foram realizadas.  

Entre aqueles mantidos separados da população carcerária geral estão aproximadamente 1.350 mulheres estrangeiras e 580 crianças, a maioria que se rendeu às forças de segurança iraquianas em agosto, durante as operações militares para libertar a cidade de Tal Afar. E quase todos são turcos, russos ou originários da Ásia Central.  

Para uma nação que por mais de 15 anos foi uma incubadora de extremistas islâmicos, além de ter sido dilacerada por atentados terroristas, sobrou pouco desejo de leniência ou mesmo preocupação com atenuantes circunstanciais que em outras nações poderiam ser motivo para clemência. Estrangeiros em particular são amplamente considerados os mais fervorosos adeptos do EI, já que saíram de seus países para se juntar ao califado.  

As 14 mulheres condenadas em uma tarde de abril, 12 turcas e duas do Azerbaijão, que tinham entre 20 e 44 anos de idade, viviam em Raqqa, antiga capital do território do grupo na Síria. Quando ataques aéreos internacionais se intensificaram e muitos maridos foram mortos, elas se mudaram para o Iraque e estavam entre os que se renderam em Tal Afar.  

Depois que Hassan foi condenada pelo juiz Ahmed al-Ameri, ele rapidamente dispensou o resto da agenda.  

Negar Mohammed disse-lhe que ela era inocente de todos os crimes do EI; ele decidiu pelo outro lado.  

Nazli Ismail contou ao juiz que o marido forçou sua família a ir para a Síria. Três de seus filhos foram mortos em um ataque aéreo, disse ela. O único a sobreviver foi seu filho mais novo, um menino de 2 anos chamado Yahya, que a estava esperando lá fora, no corredor.  

Ameri perguntou: "Você é inocente ou culpada?".  

"Sou inocente", respondeu Ismail.  

O juiz então lhe condenou à morte.  

Ismail aceitou seu destino com um sorriso. 

Isso significa que finalmente vou para o céu, disse ela.  

Mãe e filho saíram do tribunal escoltados pela guarda armada. Não se sabe o que acontecerá com a criança.  

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