Uma nova onda de agitação se espalhou pelo Iraque nesta quinta-feira (28), quando forças de segurança entraram em confronto com manifestantes em Bagdá e outras cidades do sul, deixando mais de duas dúzias de manifestantes mortos e uma missão diplomática incendiada, o que levou o governo do Iraque a formar novas "células de crise" para gerenciar a situação de turbulência.
A mais recente onda de violência - que incluiu um ataque ao consulado iraniano na cidade sagrada xiita de Najaf, a cerca de 170 quilômetros ao sul de Bagdá - destacou os profundos desafios para as autoridades após quase dois meses de protestos contra o governo por causa de uma alta taxa de desemprego, corrupção e precariedade dos serviços governamentais nesta nação rica em petróleo.
A situação também traz o Irã, governado por uma teocracia xiita, para o centro dos distúrbios. O Irã é um dos principais apoiadores do governo iraquiano e tem forte influência sobre as milícias xiitas locais.
Enquanto isso, os manifestantes intensificaram a pressão sobre o governo do Iraque com ações ousadas, ocupando pontes e estradas estratégicas.
Em Bagdá, manifestantes tentaram ocupar pontes que levam à protegida Zona Verde, onde ficam vários prédios do governo. Em Najaf, bloqueios feitos com pneus em chamas isolaram partes da cidade.
Os impasses se tornaram mortais em Nassriya, a cerca de 250 quilômetros ao sul de Bagdá, onde as forças de segurança iraquianas mataram a tiros pelo menos 22 manifestantes que estavam reunidos em uma ponte no início da quinta-feira, informou uma autoridade médica local.
Ele descreveu a situação no hospital principal de Nassriyah como "trágica", com mulheres chorando sobre os corpos de familiares mortos. Os manifestantes em seguida bloquearam uma grande avenida e cercaram a delegacia de polícia local, segundo o ativista local Ali al-Ghizzi.
"As cenas de Nasiriyah mais se assemelham a uma zona de guerra do que ruas e pontes da cidade", disse Lynn Maalouf, diretora de pesquisa sobre Oriente Médio da Anistia Internacional.
O número total de mortos no Iraque não estava claro. A agência de notícias Reuters, citando autoridades médicas, disse que pelo menos 35 pessoas foram mortas.
Em Najaf, o governo ordenou um toque de recolher em toda a cidade após manifestantes incendiarem o consulado do Irã durante a noite. Membros da equipe consular já haviam sido evacuados, informou a mídia iraniana, mas a ação foi severamente repreendida na quinta-feira pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Abbas Mousavi, que exigiu que os autores fossem levados à justiça e lembrou ao governo iraquiano sua responsabilidade de proteger territórios diplomáticos .
O ataque ocorre após um ataque no consulado iraniano na cidade de Karbala em 4 de novembro.
Protestos contra o Irã
Manifestantes em Najaf têm bloqueado ruas e protestado nos últimos dias e dizem que se voltaram contra o consulado porque suas demandas não estavam sendo ouvidas. Na quinta-feira, em Bagdá, mais quatro manifestantes foram mortos quando entraram em confronto com as forças de segurança em uma ponte estratégica perto do principal local de protesto.
"Estamos protestando há um mês, mas o governo nos tratou como se nem existíssemos", disse Yasser Mahmoud, ativista local, que disse que os protestos em Najaf foram pacíficos até agora.
"Escolhemos o consulado porque agora sabemos quem é o motivo de tudo o que estamos passando", ele afirmou. "O Irã controla todos esses partidos islâmicos e suas milícias armadas nas ruas que tornaram nossa vida um inferno - eles estão controlando a economia da cidade e tudo depende deles. Enquanto isso, não conseguimos nem arrumar um emprego."
Os protestos, que pedem por amplas mudanças no sistema político, têm um aspecto nitidamente anti-Irã, especialmente no sul do país, de maioria muçulmana xiita.
Najaf tem sido um ponto focal da influência iraniana, porque é um local-chave para o ramo xiita do Islã. A cidade é o lar dos principais seminários e dos clérigos mais poderosos do xiismo - incluindo o grande aiatolá Ali Sistani - e é um foco da peregrinação xiita, com centenas de milhares de visitantes apenas do Irã.
Líderes das milícias próximas ao Irã divulgaram na quinta-feira um comunicado dizendo que Sistani, líder espiritual de grande parte da maioria xiita do Iraque, estava em perigo por causa dos protestos e prometeram protegê-lo.
Sistani, que é iraniano, tentou conter a influência da teocracia xiita no Iraque e apoiou os apelos dos manifestantes por reforma política.
"Vamos cortar as mãos de quem tentar tocar nele", disse Abu Mahdi al-Muhandes, comandante das Forças de Mobilização Popular, uma coalizão de milícias xiitas com laços estreitos com o Irã.
Qais al-Khazali, outro poderoso líder de milícia, viajou para Najaf, onde emitiu um aviso aos manifestantes. "Quem quiser nos testar é bem-vindo a tentar", disse ele.
As declarações levantaram temores de que grupos leais ao Irã usassem os protestos na cidade santa - que é o lar do santuário de Imam Ali, uma das figuras mais reverenciadas no Islã xiita - como pretexto para reprimir os manifestantes. Uma milícia apoiada por Sistani que opera independentemente do Irã rejeitou as ofertas para ajudar a proteger o aiatolá.
Moradores de Najaf zombaram dos comentários dos líderes das milícias pró-Irã nas mídias sociais, dizendo que suas queixas são contra o Irã, e não contra Sistani, que se opôs à influência do Irã. "Essas declarações são uma piada. Todo mundo sabe que ninguém vai se aproximar de Sistani", disse Emad al-Kaabi, 26 anos, ativista de Najaf.
Os manifestantes destacaram o fato de que o consulado iraniano é distante da cidade antiga, onde mora Sistani.
Kaabi acrescentou que as declarações dos líderes de milícias eram apenas um pretexto para "mobilizar suas forças nas ruas e se vingar pela queima do consulado".
Segundo a Associated Press, pelo menos uma pessoa foi morta no ataque ao consulado e pelo menos 35 foram feridas.
Pelo menos 350 mortos
Pelo menos 350 pessoas morreram no Iraque desde que os protestos irromperam em 1º de outubro, com batalhas diárias no coração de Bagdá, enquanto os manifestantes tentavam obter o controle das principais pontes do centro da cidade que levam à sede do governo.
As forças de segurança confrontaram as multidões com munição real, balas de borracha e gás lacrimogêneo, que muitas vezes se tornaram fatais.
O Irã foi sacudido por protestos contra um aumento nos preços da gasolina durante a semana passada, que segundo o Ministério do Interior, envolveu cerca de 200 mil pessoas em todo o país, com até 7 mil detidos, segundo a mídia local.
Em discurso, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, culpou uma conspiração envolvendo os Estados Unidos pela instabilidade.
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- Quem é quem na guerra fria do Oriente Médio? Parte 6 – Disputa e conclusão (Coluna de Filipe Figueiredo de 1º de agosto de 2019)
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