Mais COP, menos CO2
André Rocha Ferretti, engenheiro florestal da Fundação O Boticário
Os obstáculos a serem superados com a chegada dos chefes de estado são colossais. Passaram-se dois anos da reunião de Bali (COP13), e a evolução foi muito pequena. No há nada garantido até o momento. Os países mais pobres e mais vulneráveis às mudanças climáticas estão inconformados com a posição dura dos países desenvolvidos.
Até o momento, o que predominou na COP15 foram os interesses individuais de cada país. A grande expectativa é que, com a chegada dos chefes de estado, a situação possa mudar. Eles tem o poder e a grande missão de pensar e decidir pelo bem da civilização humana. Sabem que um fracasso aqui poderá repercutir muito na volta para seus países, alguns positivamente e outros negativamente. Independentemente de qualquer coisa, é preciso que os países desenvolvidos coloquem suas cartas na mesa, apresentem suas metas, e parem de querer atribuir obrigações aos países emergentes.
Os países insulares, conhecidos aqui pela sigla AOSIS, muito vulneráveis às mudanças climáticas, haviam ficado de fora de algumas rodadas de negociação e agora, na última rodada dos grupos de negociação antes da chegada dos chefes de estado, decidiram colocar textos inteiros entre parênteses, ou seja, condicionados à aprovação por unanimidade por todos os países. Isso tudo faz parte do jogo de negociação, e é uma forma de marcar posição. De uma forma ou de outra, todos usam desse expediente para ver o que cola. Reuniões de negociação bilaterais deverão acontecer aos montes nos próximos dias, para que algumas arestas sejam aparadas, mas certamente o produto final que todos esperam da COP15 não sairá se cada país continuar olhando apenas para o seu próprio umbigo.
Reunião ministerial
Ontem à tarde, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, chefe da delegação brasileira na COP15, acompanhada do Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, realizou uma reunião com representantes de ONGs brasileiras aqui presentes. Tive a oportunidade de participar representando a Fundação O Boticário e o Observatório do Clima. O objetivo da reunião foi discutir o texto de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (REDD), que ficou muito complicado depois de uma reunião que entrou pela madrugada passada e só terminou às cinco da manhã.
As ONGs apresentaram sugestões e argumentos para que o Brasil possa ajudar a melhorar e aprovar um texto. Isso tem que ser feito hoje e, como aconteceu ontem, provavelmente vai se prolongar madrugada adentro.
Dilma foi muito receptiva e concordou com tudo o que foi colocado, mostrando vontade de ajudar pessoalmente no desembaraço desse assunto. Ela destacou que o Brasil é um ator fundamental nessa discussão, pois sem ele não há escala para as acoes de REDD. Desta forma, tem poder para negociar e conseguir provocar avanços na posição dos países que tem mais interesse em aprovar esse mecanismo, como é o caso dos Estados Unidos.
A ministra disse também que os países desenvolvidos precisam contribuir com recursos para o fundo de adaptação às mudanças climáticas, fundamental para os países mais pobres e vulneráveis. Disse que o Brasil está disposto a contribuir também com recursos, mas que antes os mais ricos precisam fazer a sua parte. Depois, o Brasil certamente contribuirá, de acordo com o tamanho de sua economia e possibilidades.
No final, as ONGs alertaram a ministra de que no Brasil se comentava que hoje a bancada ruralista tenta votar na comissão de meio ambiente da Câmara a alteração do Código Florestal, aproveitando a falta da maioria dos deputados que votariam contra, que estão aqui em Copenhague. A votação não está na pauta, mas os rumores são de que será inserido na última hora.
O PL vai contra tudo o que o governo brasileiro tem falado aqui na COP15 e os compromissos assumidos de redução do desmatamento. Esse Projeto altera a o Código para permitir a reposição florestal e a recomposição da reserva legal mediante o plantio de palmáceas em áreas alteradas.
Imediatamente, a ministra Dilma pediu para telefonar para as lideranças do governo na Câmara e falou ali, na frente de todos, que essa aprovação seria uma atitude contra o Brasil e os compromissos assumidos aqui na COP15. Solicitou muita atenção e que não sejam poupados esforços para impedir tão desastroso ato num momento como esse.
Os representantes das ONGs ficaram satisfeitos com a reunião e esperam que a delegação brasileira mantenha as posições ali discutidas durante as negociações dos próximos dias. Entre outras, estavam presentes representantes da Fundação O Boticário, Observatório do Clima, WWF Brasil, CI - Brasil, Greenpeace, ICV, Vitae Civilis, GTA, e ISA.
Evento com emissão zero
Mais importante do que neutralizar as emissões de gases de efeito estufa, é reduzir ou evitar as emissões. A Dinamarca teve essa preocupação no planejamento da COP15. Entre outras coisas, deu passe livre para todos os participantes no sistema de transporte público, incentivou também deslocamentos de bicicleta e a pé, e cortou os tradicionais presentes para as delegações dos países participantes. Mesmo assim, as emissões de gases de efeito estufa geradas pelo Conferência estão sendo muito grandes, afinal são milhares de pessoas participando do evento e da logística. No Brasil e em boa parte do mundo, geralmente as neutralizações de emissão são feitas com plantio de árvores, ou do patrocínio de iniciativas de substituição de combustíveis fósseis por energia renovável. A organização da COP separou cerca de US$ 1 milhão para ações de neutralização de emissões, a serem implementadas em Dhaka, capital de Bangladesh, um dos países mais afetados pelo aquecimento global. A principal ação será a construção de 20 fábricas de tijolos muito mais eficientes em uso de energia que as tradicionais fábricas da região, substituindo fábricas antigas e com altíssima emissão de carbono por tijolo fabricado. Estima-se que anualmente deixem de ser emitidas 50 mil toneladas de CO2 por conta da substituição das fábricas tradicionais, além de servir de modelo para a industria de produção de tijolos no país.
É importante destacar que muito maior que as emissões de gases da COP é a emissão provocada pelo deslocamento dos participantes de seus países de origem para Copenhague. A delegação brasileira oficial, por exemplo, tem mais de 700 inscritos. Muitos criticam essas reuniões por conta das emissões provocadas por tantas pessoas viajando grandes distâncias. Porém, é preciso considerar que os acordos e parcerias firmadas aqui podem reduzir ou evitar muito mais emissões. Aqui na COP15 reside nossa maior esperança de se equacionar uma solução para que a temperatura do planeta não ultrapasse 2 graus Celsius acima da média do período pré-industrial, como recomendam os cientistas. Negócios estão sendo fechados entre empresas do mundo inteiro, pois além das negociações políticas, há diversos eventos empresariais acontecendo dentro e fora da COP, feiras e demonstrações de tecnologias e equipamentos para geração de energia renovável ou economia de energia e, principalmente, o mundo todo está discutindo a importância e a necessidade de construção de uma economia e de uma sociedade de baixa emissão de carbono.
Estes são os meus últimos instantes na COP15, pois hoje à tarde iniciarei a viagem de volta. Espero que os chefes de estado que estão chegando agora estejam iluminados e que nos próximos 3 dias consigam chegar a um acordo que possa assegurar um futuro melhor para toda a humanidade, e também para as milhares de outras espécies que compartilham esse maravilhoso planeta conosco. A vida e a Terra merecem este presente de Natal.
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Hora da decisão
Alessandro Panasolo, advogado, membro do Instituto Brasileiro de Planejamento Ambiental (Ibplam)
Ontem tivemos a oportunidade de participar da abertura oficial do segmento de alto nível da COP15, com a presença do primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, a presidente da Conferência, Connie Hedegaard, o secretário executivo da Cúpula da ONU sobre Mudanças Climáticas, Yvo de Boer,o príncipe Charles, da Inglaterra, e a ambientalista queniana Wangari Muta Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz em 2004.
O primeiro ministro Lars Lokke Rasmussen iniciou dizendo que os países têm que unir forças para chegar a um consenso no acordo climático. Já Ban Ki-Moon afirmou que há muito tempo espera uma reunião de lideres mundiais para discutir a situação atual que se encontra o planeta. Disse ainda, que estamos aqui para iniciar uma nova era e essa nova era começa aqui na busca de soluções para salvar o planeta.
A presidente Connie Hedegaardafirmou que chegou o momento de darmos passos grandes e tomarmos as decisões certas com ações para controlarmos o clima.
O Secretário Executivo Yvo de Boer, disse que desde a Conferência de Bali, em 2005, houve alguns progressos, mas estamos longe do ideal. O mundo espera uma resposta com resultados ambiciosos, com ações efetivas para o combate as mudanças climáticas.
O Príncipe Charles, afirmou que este é um momento de grande importância e uma grande oportunidade para mudarmos nossas ações para garantir o nosso futuro.
Wangari Muta Maathai falou que não podemos negociar com o clima, por isso, temos que negociar entre nós, uma proposta que respeita a ciência, a história e a justiça.
Enfim, depois dessa abertura o que fica evidente para nós é que todos querem encontrar uma solução comum para o clima. Mas, sabemos que primeiro temos que encontrar um concenso nas propostas e isso é fundamental para termos um acordo. Sem isso, não haverá acordo, nem genérico, nem ambicioso, equitativo ou vinculante.
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Ciências exatas
José Gustavo de Oliveira Franco, advogado, membro do Ibplam
Ao final da tarde de ontem, ocorreu a cerimônia de abertura do segmento de Alto Nível da Conferência do Clima em Copenhague. Entre as declarações da cúpula da COP ficou bastante claro que as negociações dependem, além de vontade política das partes e flexibilidade nas negociações, dos números que os países estão dispostos a assumir. Para além do ainda não resolvido problema acerca das obrigações dos emergentes, serão basicamente dois os principais números debatidos neste momento: o de quais os percentuais de redução de emissões serão assumidos por cada pais, ou grupo; e de quanto cada um destes esta disposto a contribuir para um fundo de mudanças climáticas. Quanto à redução de emissões de gases do efeito estufa, o documento base divulgado na sexta feira (draft text), sobre o qual se desenrolaram as negociações desta semana, falava em limites de 50, 85 e ate 95% de redução para 2050 em relação aos índices de 1990. Mas recorde-se que estes números são apenas metas gerais. Já quanto aos financiamentos, valores e procedência, a situação é mais complexa, sendo este o principal ponto em aberto. A própria ministra dinamarquesa, Connie Hedegaard, afirma que não se terá financiamento suficiente sem que ideias inovadoras sejam apresentadas.
Durante a cerimônia desta terça-feira, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, fez menção a cifras da ordem de US$ 10 bilhões ao ano como necessidade de longo prazo. Na segunda-feira, o Japão anunciou estar disposto a contribuir sozinho com US$ 10 bilhões para os próximos três anos - curto prazo - seguindo o anúncio de US$ 3,5 bilhões da União Europeia. O documento final sobre o qual as autoridades conduzirão as negociações de alto nível deve ficar pronto apenas nos últimos momentos, mas aparentemente ainda não resolve o problema.
Resta saber se os chefes de Estado estarão dispostos a contribuir à altura das necessidades. Mas, como lembrou o príncipe Charles durante a cerimônia, não há como manter um sistema econômico baseado em recursos naturais se não for considerada a economia da natureza. Esperamos que os líderes mundiais lembrem disto.