O médico e microbiologista francês Didier Raoult, autor de um estudo sobre o uso de hidroxicloroquina no tratamento de Covid-19 que ganhou atenção mundial no início da pandemia, reconheceu erros em sua pesquisa em uma carta publicada em periódico científico.
"Nós concordamos com os colegas que excluir seis pacientes da nossa análise pode ter enviesado os resultados", afirmou Raoult na carta, assinada por toda a sua equipe e publicada em 4 de janeiro no International Journal of Antimicrobial Agents. Os pesquisadores disseram ter feito uma nova análise dos dados incluindo um paciente que morreu e outros que foram internados em unidade de tratamento intensivo ou que precisaram parar o tratamento por efeitos colaterais — que haviam sido excluídos da análise inicial.
"Não houve diferença significativa na necessidade de terapia de oxigênio, transferência para UTI e mortes entre os pacientes que usaram hidroxicloroquina (HCQ) com ou sem azitromicina (AZ) e nos controles, que receberam apenas o tratamento padrão", continua a nota. Em outras palavras, com os dados que haviam sido excluídos inicialmente, o estudo demonstrou que a hidroxicloroquina não reduziu a mortalidade de pacientes de Covid-19.
No entanto, a equipe francesa diz que a duração das internações em hospitais "parece ter sido significativamente menor" entre os pacientes tratados com HCQ sozinha ou em combinação com AZ, e que a "persistência viral foi significativamente mais curta" entre esse grupo.
O texto foi escrito em resposta a uma carta ao editor com o título "O uso da hidroxicloroquina em combinação com a azitromicina para pacientes com Covid-19 não é apoiado pela literatura recente", assinada por médicos de três instituições dos Estados Unidos e publicada também na edição de 4 de janeiro da mesma revista científica.
Os pesquisadores americanos revisaram o artigo original da equipe de Raoult e apontaram falhas na pesquisa, um estudo pequeno e não randomizado sobre o uso de hidroxicloroquina com azitromicina; hidroxicloroquina sozinha; e grupo controle em 6, 14 e 15 pacientes, respectivamente.
Os cientistas dizem que a equipe de Didier Raoult não seguiu o padrão desse tipo de estudo com medicamentos e "excluiu da análise pessoas que morreram, foram transferidas para a UTI ou pararam o tratamento devido a efeitos colaterais", além de não levar em conta possíveis efeitos adversos causados pelo tratamento. Eles destacam ainda que não é possível confirmar eficácia clínica a partir apenas da análise de redução da carga viral, como feito no estudo, e que outros fatores deveriam ter sido considerados para uma avaliação da eficácia dos medicamentos, como alívio dos sintomas e sobrevivência à doença.
Apesar de reconhecer os erros de seu estudo inicial, a equipe de Raoult refuta na carta a alegação de que a literatura recente não apoia o uso da hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19 e diz que já investigou outros 3.119 pacientes após o estudo preliminar. Os novos resultados, diz a equipe francesa, indicam que o tratamento está associado com redução do risco de transferência para UTI ou morte.
O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos da França abriu, em dezembro, um processo de investigação contra Raoult e outros seis membros da equipe que realizou os estudos. As acusações incluem desinformação pública, violações éticas e charlatanismo.
"Nunca mudamos de ideia", disse Raoult em seu perfil no Twitter nesta segunda-feira (18). "A eficácia da HCQ + AZ na redução da duração da carga viral demonstrada em nosso estudo foi confirmada, com a subsequente demonstração da eficácia sobre a mortalidade", afirmou.
O que dizem as pesquisas
Desde o início da pandemia, muitas pesquisas foram feitas sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da infecção pelo novo coronavírus. No Brasil, médicos defendem o uso do medicamento com base em sua experiência clínica com os pacientes.
O FDA, agência federal americana que regulamenta medicamentos, concedeu em março autorização para o uso de emergência do medicamento, com base em dados limitados de pesquisas. Em junho, o FDA revogou essa autorização, após uma revisão das evidências científicas ter mostrado que é "improvável" que hidroxicloroquina e cloroquina sejam eficazes, e que os potenciais benefícios das drogas não compensariam os riscos de efeitos colaterais sérios em pacientes de Covid-19.
Uma revisão sistemática e meta análise de pesquisas sobre o uso da hidroxicloroquina e cloroquina, com ou sem azitromicina, foi publicada em dezembro na Nature Scientific Reports por pesquisadores do Egito, Estados Unidos e Londres. Foram analisados 14 artigos científicos que atenderam aos critérios de qualidade. A análise da mortalidade envolveu 3.868 pacientes das diferentes pesquisas.
Os autores concluíram que a mortalidade no grupo tratado com HCQ não foi diferente do grupo controle. Um resultado alarmante, segundo os pesquisadores, foi que pacientes que receberam tratamento convencional tiveram taxas de mortalidade menores do que as do grupo HCQ + azitromicina. Em geral, os medicamentos não foram associados a redução da necessidade de ventilação mecânica ou do tempo de internamento.
Uma meta análise de pesquisas sobre diversos tratamentos para Covid-19, que é constantemente atualizada, também não encontrou evidências dos benefícios da hidroxicloroquina. A revisão publicada no periódico médico britânico BMJ conclui que a droga "não deve reduzir risco de morte ou ter um efeito em qualquer outro desfecho importante para o paciente", como a necessidade de ventilação mecânica.
Contudo, uma pesquisa publicada no The American Journal of Medicine, em janeiro de 2021, um dos principais da área médica no mundo, recomenda a continuidade do estudo e do uso dessas substâncias na primeira fase da doença. O documento aponta que há benefícios em alguns casos e os medicamentos apresentam mínimos efeitos colaterais.
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