Como os EUA não apresentaram "tempestiva apuração" da espionagem à Presidência do Brasil e à Petrobras e não se comprometeram a "cessar as atividades", Dilma Rousseff cancelou a viagem que faria a Washington em 23 de outubro. Formalmente, a ida está adiada, sem nova data.
As notas sobre o tema emitidas por Brasil e EUA são muito semelhantes e foram combinadas, mas divergem num detalhe crucial, a perspectiva de cooperação em Defesa uma venda de caças ao Brasil era prioridade americana.
Seria uma viagem de Estado, a mais alta regalia concedida a estrangeiros. A mais recente de um brasileiro ocorreu em 1995, com Fernando Henrique Cardoso.
O cancelamento é uma resposta à revelação de que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês) espionava alvos no governo, entre eles a própria Dilma. É a primeira retaliação concreta sofrida pelos EUA desde a revelação do esquema de espionagem pelo ex-agente de segurança Edward Snowden, em junho.
Ainda que o cancelamento tenha partido de Dilma, o texto diz que o adiamento foi tomado de comum acordo com Obama.
Já a nota da Casa Branca ressalta a relação bilateral e reconhece as preocupações do Brasil. O documento diz que Obama ordenou uma revisão nas práticas da inteligência americana, "mas o processo pode levar meses para ser concluído". "Por isso, os presidentes concordaram em adiar a visita de Estado", afirma.
Na leitura comparada dos textos está o recado do Planalto: a versão brasileira cita cooperações entre os países, mas não fala na área de Defesa, como o americano.
Até a eclosão do escândalo, em junho, a Boeing tinha tomado o lugar da francesa Dassault como favorita na bilionária licitação para o fornecimento de 36 caças ao Brasil, com o F-18. Negócio de no mínimo R$ 10 bilhões.
Grande parte do favoritismo decorria do trabalho da empresa e de Washington para melhorar os termos da venda. O recado é indicativo de que o negócio está no ar seja para um cancelamento definitivo, seja para um adiamento na espera de melhores condições de venda.
Diferenças à parte, o teor diplomático calculado das notas foi combinado. Funcionários do Planalto e da Casa Branca trocaram suas versões dos textos e ensaiaram acordo em três pontos.
O primeiro deles foi o uso do verbo adiar. Segundo, a possibilidade de remarcação. Por fim, ambos falam na disposição de manter "relações estratégicas".
Para oposição, decisão foi "eleitoreira"
A oposição criticou ontem a decisão da presidente Dilma Rousseff de cancelar visita de Estado a Washington, no mês que vem. Lideranças do PSDB e do DEM afirmam que Dilma agiu de forma "eleitoreira" e não preservou os interesses econômicos do país.
Provável adversário da presidente nas eleições de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse que seria mais "adequado" à presidente reclamar diretamente com o presidente Barack Obama dos atos de espionagem. "Essa decisão não me surpreende porque é o marketing que vem governando o Brasil há algum tempo. Era a oportunidade da presidente de ter uma agenda afirmativa em defesa dos interesses do país", afirmou Aécio.
Oposicionistas dizem que Dilma foi aconselhada pelo ex-presidente Lula e pelo marqueteiro João Santana. "Ela não tem nossa solidariedade nesse gesto, inspirado por seus orientadores de marketing político no contexto de uma campanha antecipada", disse o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP), líder do PSDB.
Presidente do DEM, o senador José Agripino Maia (RN) afirmou que o cancelamento da viagem pode provocar "ruídos", especialmente nas negociações econômicas entre os dois países.
Paciência O futuro das relações diplomáticas deve sobreviver aos rompantes da indignação por mais crítica que seja a situação.