Entrevista com Chantal Mouffe, professora de Teoria Política da Universidade de Westminster
Além de idiomas distantes, Ocidente e Oriente têm dificuldade em negociar devido às compreensões diferentes de vocabulário. Quando um brasileiro pensa no maior valor humano, diz "liberdade", enquanto um chinês talvez diga "harmonia". A importância da diferença semântica é ressaltada por uma das mais respeitadas filósofas da atualidade, a belga Chantal Mouffe. Para ela, o mundo nunca chegará a um consenso sobre quais são os direitos humanos e como defendê-los, e o Ocidente não pode impor os seus ao resto do mundo. Autora de livros como O Paradoxo Democrático, ela conversou com a Gazeta do Povo há dez dias, quando esteve em Curitiba para falar a um grupo de estudantes da UniBrasil.
A senhora defende uma "democracia radical". Em que ela difere daquela em que vivemos?
Não é uma diferença de natureza, por exemplo que exija passar da democracia liberal a outra totalmente diferente. Meu projeto é radicalizar a democracia liberal, guardando os princípios mais importantes desta. Por liberal não entendo a democracia capitalista. É verdade que na maior parte dos casos o modelo de democracia pluralista vem no modo de produção capitalista, mas não há relação necessária. Muitos teóricos liberais como Norberto Bobbio aceitam isso.
Mas pode-se fazer a radicalização dentro do capitalismo?
Certamente podemos começá-la, mas é possível que no processo haja momentos em que a reforma democrática coloque em questão algumas formas do capitalismo. Enfim, ela não é uma alternativa completamente diferente. O princípio da democracia liberal é liberdade e igualdade para todos, e não sei como encontrar princípio mais radical. O problema com nossa sociedade é que eles não são colocados em práticas.
Um exemplo de democracia radical seriam os protestos na Grécia contra o arrocho econômico?
Não, são protestos, mas não uma forma de democracia radical. Compreendo que os gregos estão descontentes, mas esses que estão recusando as medidas propostas, o que propõem como solução? E ainda há muitos na Grécia que entendem que as reformas são necessárias.
A senhora advoga o pluralismo. Por esse viés, enxerga exagero em condenações a países orientais, como foi o caso da execução de um britânico na China no ano passado?
É preciso lembrar que os EUA também têm execuções, então nisso os chineses têm razão quando dizem: "Vocês vêm nos dar lições, mas comecem a colocar ordem na casa de vocês". Os direitos humanos também não são respeitados nos países ocidentais.
Seria possível haver uma mesma noção de direitos humanos no mundo todo?
Não, é preciso aceitar que eles se expressam de formas diferentes. A forma ocidental é muito individualista, e não corresponde necessariamente a outras culturas. Essa é a minha concepção, pluralista.
Qual seia um exemplo dessa diferença?
A diferença entre liberdade e harmonia. É a diferença entre uma cultura fundamentalmente individualista e outra mais comunitária. A visão ocidental é focada no indivíduo. Já a chinesa, a indiana e a muçulmana pensam que a comunidade é importante. E, realmente, não podemos pensar o respeito à pessoa unicamente em termos de autonomia.
A senhora cita em seus textos o "bom regime político". O que seria?
Não há um só, apesar de a teoria política pretender definir isso. Mas eu sou pluralista, acho que é preciso aceitar que há mais de uma boa resposta, mais de um bom regime.
Isso abre espaço para o relativismo?
Não, porque então tudo seria bom mas não haveria um bom regime. Eu digo que não há apenas um.
Como a senhora vê a guerra em nome dos direitos humanos?
Essa é uma coisa que considero horrível, a guerra humanitária, quando pensamos que haja só uma concepção de direitos humanos, e que é a nossa, e que ainda tenhamos o dever de impô-la. É preciso abandonar essa ideia de que o ocidente tem vocação de impor o direito dos homens mesmo pela força. Impor direitos humanos pela guerra é uma aberração.
Um dos problemas humanitários no Brasil são as prisões lotadas e desumanas. Alguns chegam a defender libertação de presos. Nessa hora, é mais importante defender a segurança?
É uma questão difícil. Acho que, como em muitas coisas na política, é preciso ter uma atitude pragmática, porque a segurança obviamente é importante, mas não podemos também dar tal prioridade à segurança a ponto de destruir os outros valores. É o que em inglês se define como "trade off", tentar achar um equilíbrio.
Isso interessa à ciência política?
É um dilema que a sociedade ocidental encontra, porque em nome da defesa contra o terrorismo estão destruindo valores e direitos que são constitutivos da democracia. Mas não podemos dizer também que não se deva fazer nada. É preciso encontrar um balanço pragmático.
Já nos países desenvolvidos a polêmica é sobre a criminalização do imigrante. Existe a tendência à radicalização?
Não se pode criminalizar, mas, de outro lado, não podemos ter fronteiras completamente abertas. É preciso que haja medidas de controle. O europeu precisa se perguntar o que empurra todas essas pessoas da África subsaariana para a Europa por qualquer meio. Por que eles não são capazes de continuar a viver em seus países? Porque a política europeia e americana e até certa medida, brasileira é de exportar e até destruir as indústrias nativas.
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