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Disputa pelo Essequibo

Discurso agressivo da Venezuela e referendo aumentam temor de guerra com a Guiana

Ditadura de Nicolás Maduro alega que a Venezuela tem soberania sobre 70% do território da Guiana e convocou referendo que fala sobre criar novo estado na região (Foto: EFE/Carlos López)

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Uma disputa que se arrasta desde o século XIX ganhou temperatura nos últimos meses e gera temores de que o mundo esteja prestes a enfrentar mais uma guerra, desta vez, na América do Sul.

Com uma retórica cada vez mais agressiva e um referendo no qual pretende consultar a população sobre quais medidas deve tomar sobre o assunto, o governo da Venezuela eleva as tensões na disputa na qual reivindica soberania sobre mais de 160 mil quilômetros quadrados de território da vizinha Guiana a oeste do rio Essequibo, que correspondem a cerca de 70% do território guianense.

Caracas argumenta que a área é parte do seu território porque, durante o período colonial, ela integrou a capitania geral da Venezuela.

Após o domínio espanhol, a região foi administrada pelos holandeses a partir de 1648 (bem antes, portanto, da Venezuela declarar independência da Espanha, o que ocorreu em 1811) e pelo Reino Unido a partir de 1814.

Em 1899, uma sentença arbitral em Paris conferiu a soberania sobre a região ao Império Britânico, de quem a Guiana ainda era colônia.

Em 1962, a Venezuela entrou com um processo nas Nações Unidas para contestar a decisão de 1899. Em 1966, ano em que a Guiana obteve sua independência do Reino Unido, foi assinado o Acordo de Genebra, que determinou o controle da área pelos guianenses, mas admitiu a contestação da Venezuela. A disputa deveria ser resolvida em quatro anos, mas isso não aconteceu.

As negociações não avançaram nas décadas seguintes e a disputa chegou a ser arquivada durante o governo de Hugo Chávez (1999-2013), mas a Venezuela voltou a apresentar a demanda depois que a empresa americana ExxonMobil descobriu grandes reservas de petróleo no mar territorial guianense, em 2015.

Em abril, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), sediada em Haia, na Holanda, rejeitou os argumentos da Venezuela, que havia exposto várias razões de forma escrita e oral para solicitar ao tribunal que declarasse “inadmissíveis” as alegações da Guiana, enquanto esta tinha pedido para a corte “rejeitar as objeções preliminares” de Caracas e avançar para o mérito do caso, que ainda não foi decidido.

Nos últimos meses, a ditadura de Nicolás Maduro criticou a Guiana por “recusar o diálogo” e por realizar uma licitação de blocos de petróleo na área contestada.

Este mês, a Venezuela deu a cartada mais agressiva até o momento, ao anunciar um referendo, marcado para 3 de dezembro, no qual a sua população deverá responder se concorda com cinco medidas: rejeitar a sentença arbitral de Paris de 1899; apoiar o Acordo de Genebra de 1966 como o único instrumento jurídico válido sobre a questão; não reconhecer a competência da CIJ para resolver a disputa; se opor à exploração do mar territorial da área pela Guiana; e a criação do estado venezuelano da Guiana Essequiba na região.

Considerando o histórico chavista de manipulação e fraudes eleitorais, o resultado certamente será o que o Maduro deseja. Não bastasse a última pergunta do referendo falar claramente em anexação de 70% do território guianense, o discurso da ditadura venezuelana sobre a questão vem se tornando mais beligerante.

No final de setembro, a Força Armada Nacional Bolivariana da Venezuela (Fanb) afirmou no X que “ratifica de forma contundente o seu compromisso com o povo, na defesa do direito histórico sobre o Essequibo”. “Nós, os soldados bolivarianos, permaneceremos firmes diante de qualquer pretensão e agressão que pretenda minar a paz”, apontou o comunicado.

Também nas redes sociais, Vladimir Padrino López, ministro da Defesa da Venezuela, escreveu que além de “violar” o Acordo de Genebra de 1966, a “Guiana concedeu concessões a empresas transnacionais em blocos que penetram espaços exclusivamente venezuelanos”.

“Agora, graças à contundência da Fanb em defesa da nossa soberania, eles podem ter certeza de que obterão uma resposta proporcional, oportuna e legítima para defender o que é nosso. Viva a Venezuela!”, escreveu López.

Recentemente, a Venezuela reafirmou uma acusação de que os Estados Unidos pretendem criar uma base militar na Guiana, algo que Washington e Georgetown já haviam negado.

Guiana, EUA e órgãos internacionais reagem

As autoridades guianenses disseram que o objetivo de Caracas é “nada menos que a anexação do território da Guiana, em flagrante violação das normas mais fundamentais da Carta das Nações Unidas, da Carta da OEA [Organização dos Estados Americanos] e do Direito Internacional”.

“Tal confisco do território da Guiana constituiria um crime internacional de agressão”, apontou o comunicado.

Este mês, Georgetown já havia solicitado uma explicação à Embaixada da Venezuela na Guiana a respeito de movimentações de tropas perto da fronteira entre os dois países – Caracas respondeu que o objetivo dessas ações era “coibir operações de mineração ilegais”.

O secretário-adjunto de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental dos Estados Unidos, Brian Nichols, denunciou a escalada de hostilidades da Venezuela na disputa com a Guiana.

“Condenamos veementemente as ameaças não provocadas e injustificáveis da República Bolivariana da Venezuela, que buscam minar os princípios de boa vizinhança e soberania, e reconhecemos o direito da Guiana de acolher investidores e desenvolver os seus recursos naturais”, declarou Nichols.

Em nota, a OEA criticou o referendo anunciado pela Venezuela “porque é ilegal de acordo com o Acordo de Genebra de 1966, e porque usos indevidos semelhantes deste instrumento serviram de pretexto no passado recente para tentar justificar as piores ações entre Estados, incluindo o crime de agressão”.

A ONG venezuelana Controle Cidadão apontou em comunicado que o tom “irredutível” dos governos dos dois países e a decisão da Venezuela de seguir adiante com o referendo indicam que a disputa pode levar a um conflito militar.

“É previsível que o envio de unidades militares pela Força Armada Nacional Bolivariana aumente em direção à frente do Essequibo, uma vez que o teatro de operações foi definido pelo comando militar. Os perigos de uma escalada do conflito estão latentes neste momento”, alertou.

Para especialista, Maduro visa objetivos internos

Alguns especialistas, entretanto, não acreditam que a tensão entre Venezuela e Guiana possa escalar até o nível de um confronto militar.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o analista militar e coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho disse que não vislumbra essa possibilidade e que a “retórica inflamada” de Maduro e a convocação do referendo sobre o Essequibo “atendem aos objetivos da política doméstica do governo venezuelano, de tentar unificar a opinião pública em torno de uma causa nacionalista”.

Ele afirmou que, dada a grave crise econômica na Venezuela, o chavismo teria grandes dificuldades para travar uma guerra.

“As informações disponíveis dão conta de que boa parte dos sistemas e materiais de emprego militar venezuelanos estão indisponíveis para o uso por manutenção deficiente, certamente um reflexo das dificuldades econômicas que o país atravessa”, disse Gomes Filho.

“É bastante provável que haja uma escassez de munições, uma vez que seus principais fornecedores estão com as atenções concentradas na Ucrânia e no Oriente Médio. Respondendo objetivamente, não creio que [a Venezuela] tenha condições [de entrar num conflito armado]”, afirmou o analista militar.

Parceiros venezuelanos, a Rússia e o Irã já venderam armas para Caracas, como as recentes entregas de drones iranianos, mas Gomes Filho apontou que ambos teriam dificuldades para apoiar a Venezuela “de forma decidida” devido às guerras atuais na Ucrânia e no Oriente Médio.

Entretanto, o especialista acredita que uma intervenção dos Estados Unidos em defesa da Guiana certamente aconteceria em caso de guerra. “Seria um conflito no Hemisfério Ocidental, no entorno do Caribe, área vital para a segurança dos EUA”, justificou.

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