Mirando o impeachment de quatro juízes da Corte Suprema de Justiça da Argentina, o presidente argentino, Alberto Fernández, enviou ao Congresso um documento pedindo a abertura do processo de destituição dos funcionários públicos da alta corte. A carta foi publicada na terça-feira (3) pelo presidente em suas redes sociais. Junto com ele, assinam o documento governadores de 12 das 24 províncias argentinas. Fernández diz que o Judiciário avança sobre os outros poderes e denuncia proximidade de juízes com políticos da oposição, especialmente da capital Buenos Aires, que, segundo o presidente, precisa “dividir suas riquezas”.
Com menos apoio do que o esperado, Fernández segue com o pedido de impeachment, em particular contra o presidente da corte, Horacio Rosatti, que foi ministro da Justiça de Néstor Kirchner (1950-2010), marido e antecessor de Cristina na presidência, mas indicado à corte por Mauricio Macri, rival dos peronistas.
Um dia antes da condenação de sua vice, Cristina Kirchner, por corrupção, Fernández já havia pedido, em dezembro, a investigação de uma viagem da qual teria participado Julián Ercolini, o juiz que condenou Cristina.
A briga com o Judiciário é, no momento, a pedra no sapato de Fernández, mas o ataque aos magistrados é historicamente uma das bandeiras do kirchnerismo.
“Nos últimos meses, temos visto um avanço inadmissível do Poder Judiciário sobre os outros Poderes na Argentina. Diversas publicações, jamais contraditadas, deixam claro aquilo que há muito tempo venho advertindo: a ligação escandalosa entre parte da política e a Justiça”, escreveu o presidente nas redes sociais.
Repasses a Buenos Aires, cujo prefeito é da oposição
No final de dezembro, o conflito aumentou devido à decisão dos juízes de fazer repasses dos impostos arrecadados pelo governo federal para os estados. Entre as medidas, a Suprema Corte garantiu um aumento da cota de coparticipação destinada a Buenos Aires: o equivalente 2,95% dos fundos da chamada coparticipação federal para a capital. Segundo a decisão do Judiciário, a cidade deve receber 180 bilhões de pesos (R$5,49 bilhões), além do que já recebe.
Por ordem da vice-presidente Cristina Kirchner, governadores peronistas incentivaram Alberto Fernández a desobedecer a decisão. A ex-deputada Elisa Carrió, líder do partido de oposição Coalizão Cívica, apresentou a denúncia contra a presidência junto com legisladores do bloco opositor, acusando Fernández dos crimes de insurreição, desobediência judicial, abuso de autoridade e violação dos deveres de um funcionário público. A denúncia se estendeu a outros membros do governo, como o ministro do Interior, Eduardo de Pedro, o ministro da Economia, Sergio Massa, e o chefe de Gabinete, Juan Manzur.
“Esses comportamentos são uma afronta ao sistema republicano de governo, já que não só desafiam publicamente a autoridade constitucional de um dos poderes do Estado, como enfraquecem as instituições republicanas e parecem constituir crimes de ação pública”, diz a denúncia. O partido liberal Republicanos Unidos também apresentou uma queixa criminal.
Essa controvérsia começou em 2020, quando o governo Fernández cortou os recursos que deveriam ser transferidos para a capital - que também é uma unidade autônoma da Argentina, como as províncias. Buenos Aires tem como prefeito Horacio Rodríguez Larreta, uma das principais figuras da oposição.
“É inexplicável que o Estado nacional ignore, desobedeça, previna, recuse, omita ou atrase o cumprimento de uma decisão, só porque é contrária a suas pretensões”, disse Larreta.
Diferentes blocos de oposição começaram, ainda em 2022, a preparar um pedido de impeachment contra Fernández, a destituição de parte do gabinete presidencial e acusações de sedição.
Os apoiadores do governo
Em revanche, o presidente pede o impeachment de juízes. Para os líderes que apoiam a iniciativa e participaram de uma reunião na Casa Rosada nesta semana, os membros da corte incorreram "na violação da Lei de Ética Pública e no mau desempenho".
Os governadores mais próximos do presidente concederam uma coletiva de imprensa na qual anunciaram a assinatura do pedido de cassação contra os membros do Supremo Tribunal de Justiça da Nação (CSJN) e asseguraram que "as províncias se sentem afetadas". Além disso, consideraram que o tribunal superior incorreu no "mau desempenho de suas funções" e denunciou a "parcialidade" em suas decisões.
"Observamos um viés manifesto, o que significa que as decisões favorecem um viés político", reforçou o governador do Chaco, Jorge Capitanich. "Nós, as províncias argentinas, nos sentimos prejudicadas pela alocação caprichosa de recursos, sem nenhum tipo de fundamento ou argumento”, frisou.
Distribuição de riquezas
Em um discurso na manhã desta quarta-feira (4), em Posadas, Misiones, Fernández fez uma série de críticas aos dirigentes do Executivo nacional que não assinaram o pedido de impeachment de membros do Judiciário e ao prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta.
O presidente ainda se referiu à necessidade de o país se tornar mais federal. Como costuma fazer em seus discursos, falou de regiões “esquecidas” e da necessidade de "acabar com essas duas Argentinas: uma do centro e outra do Norte e do Sul, com menos possibilidades de desenvolvimento". Nesse sentido, garantiu que “tudo fica mais difícil fora do porto de Buenos Aires” e pediu para que se busquem “mecanismos de equalização”.
"Os moradores de Misiones, com este calor, com esta zona tropical, sob este belo sol, têm o mesmo direito que um portenho (de Buenos Aires) de ter uma casa, de ter acesso à escola, de ter a saúde pública que está disponível no centro do país”, declarou Fernández. “Tenho orgulho de dizer que sou de Buenos Aires e brigo muito com a minha cidade para que ela deixe de lado sua opulência e faça parte de uma melhor distribuição da riqueza", afirmou.
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