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Na última quarta-feira (17), o presidente do Equador, Guillermo Lasso, anunciou a chamada “morte cruzada”, isto é, a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação imediata de eleições antecipadas para o Executivo e Legislativo do país.
O mandatário conservador, que respondia a um processo de impeachment no Legislativo, adotou a medida como uma resposta à crise política no país, mas o histórico equatoriano indica que o problema está longe de ter um fim.
Antes de Lasso (cujo mandato terminaria apenas em 2025), seis presidentes do Equador não terminaram seus mandatos desde a volta da democracia, em 1979, por motivos como morte, destituição e convocação de eleições antecipadas.
Entre 1997 e o início de 2007, o país teve sete presidentes diferentes. O episódio mais burlesco foi a chamada Noite dos Três Presidentes, quando três políticos diferentes, durante a noite de 6 para 7 de fevereiro de 1997, reivindicaram a presidência equatoriana.
Abdalá Bucaram, que havia assumido a cadeira presidencial apenas seis meses antes, sofreu impeachment e se recusou a deixar o cargo. O Legislativo declarou como seu substituto o presidente do Congresso Nacional, Fabián Alarcón, mas a vice-presidente do Executivo, Rosalía Arteaga, também reivindicava o posto. Alarcón acabou saindo vitorioso da disputa.
O esquerdista Rafael Correa foi presidente do Equador durante dez anos, entre 2007 e 2017, mas sua gestão foi marcada por escândalos e depois do fim do seu mandato ele foi condenado a oito anos de prisão por suborno. No ano passado, ele recebeu asilo político na Bélgica.
Seu sucessor, Lenín Moreno, enfrentou uma grande onda de protestos em 2019 após anunciar uma mudança na política de preços dos combustíveis. Lasso chegou à presidência em maio de 2021, e desde então enfrentou uma oposição feroz na Assembleia Nacional.
“Crise de legitimidade”
O presidente conservador já havia sobrevivido a um processo de impeachment no ano passado e desta vez respondia no Legislativo a uma acusação de responsabilidade por um contrato da estatal de transporte de petróleo Flopec EP com a empresa privada Amazonas Tanker, que teria gerado perdas para o Estado equatoriano.
Na justificativa da “morte cruzada”, Lasso apontou “a existência de um Legislativo irresponsável, bem como desequilíbrio nas funções do Estado”, e citou, além das tentativas de destituí-lo, “numerosos processos políticos contra ministros e secretários de Estado e autoridades de controle, processando-se assim 14 processos políticos, tendo já sido instaurados cinco processos políticos contra ministros e secretários de Estado; fizeram 1,3 mil pedidos de informação aos diferentes ministérios”.
“Isto tem contribuído para criar circunstâncias de instabilidade administrativa que demonstram uma vontade de desestabilização contrária à obrigação de colaboração e coordenação entre os entes públicos e os poderes do Estado prevista na Constituição”, criticou Lasso.
O presidente mencionou pesquisas de opinião que apontaram baixíssima aprovação do trabalho da Assembleia Nacional, o que gerou uma “crise de legitimidade”, mas a avaliação do seu governo também está em baixa.
Um levantamento da Fundação para a Cidadania e Desenvolvimento, realizado pouco antes de um referendo em que a população rejeitou mudanças na Constituição equatoriana propostas pelo governo, em fevereiro, mostrou que nove em cada dez equatorianos não confiavam na sua gestão. No mesmo dia do referendo, a oposição colheu grande grandes vitórias nas eleições regionais.
Instabilidade afasta investimentos
Lasso sofreu o desgaste de uma grave crise na área de segurança e da lenta recuperação econômica pós-pandemia, e especialistas avaliam que a instabilidade política afasta investimentos do Equador.
“É improvável que ocorram mudanças fiscais, normativas e regulatórias radicais em setores econômicos importantes (petróleo, gás, mineração, energia renovável, infraestrutura), pois essas reformas exigiriam uma coordenação mínima entre o Executivo e o Legislativo, que não funcionará pelo menos pelos próximos quatro ou seis meses, e que possivelmente manterá sua relação antagônica com o presidente que será eleito nas eleições antecipadas”, comentou Laura Lizarazo, analista sênior na consultoria Control Risks, ao jornal colombiano de notícias econômicas Portafolio.
Até as eleições, Lasso governará por decretos. O Washington Post informou que ele não pretende concorrer nas eleições antecipadas, marcadas provisoriamente para 20 de agosto, mas o jornal equatoriano El Universo apontou que, segundo fontes próximas ao presidente, Lasso cogita participar da disputa e que pode ter ocorrido “um erro de tradução” na entrevista ao periódico americano.