Espartinas, no sudoeste espanhol, é um pequeno povoado como outros tantos no país.
Exceto pelo fato de que seu novo prefeito, encurralado por disputas políticas, não recebeu um tostão durante os dois últimos meses.
José María Fernández, de 35 anos, eleito em maio neste município de 15 mil habitantes pelo partido Ciudadanos, teve de retornar a seu trabalho anterior de desenvolvimento de web. Até a semana passada, quando foi visitado pela reportagem, ele cumpria sua função na prefeitura apenas às quintas-feiras, das 8 às 15 horas.
A situação deve ser regularizada nestes próximos dias, depois que Fernández conseguiu contornar a oposição e estabelecer um acordo.
Para além do curioso de que houvesse um “prefeito-voluntário”, a história de Espartinas dá conta dos recentes tremores na política espanhola, enquanto o país tenta adaptar-se ao surgimento de novos atores e ao aparente declínio do bipartidarismo.
Espartinas foi governada por 32 anos pelo PP (Partido Popular), de direita. Mais do que isso, a cidade era território de uma mesma família, e o cargo passou de mãe para filho depois da morte de María Regla Jiménez, em 2003.
A fortaleza política do PP ali, cercado por municípios onde governava o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), fez com que Espartinas fosse apelidada de “Gália” - como no gibi francês “Asterix” os gauleses estão encurralados pelos romanos.
É um dos locais com maior renda per capita da Espanha.
Mas o enredo espanhol ganhou novos protagonistas nas eleições municipais de maio.
Depois de menos de um ano de campanha, o partido Ciudadanos (centro-direita) conquistou a prefeitura e irritou os tradicionais governantes e opositores ali.
“Eles se incomodaram porque um partido incipiente chegou ao poder em pouco tempo, e assumiram posições que não eram construtivas”, diz Fernández à reportagem em seu gabinete.
Fernández havia recorrido, em sua campanha, a críticas contra o salário do prefeito anterior e a situação dos cofres públicos.
Quando ele apresentou, em 10 de julho, sua proposta de orçamento, ela foi bloqueada pelo PP e pelo PSOE. Ficou, assim, sem receber salário.
A pressão exercida pelo PP era uma modalidade de chantagem. À reportagem, Javier Jiménez, representante do partido nesse município, afirmou que condicionava a aprovação do salário de Fernández a duas atitudes.
Em primeiro lugar, que o novo prefeito fosse a público e afirmasse que, apesar de suas críticas ao PP, também ele ia “viver de política”.
Além disso, que desmentisse suas afirmações de que há um rombo nas contas de Espartinas. Fernández recusou-se a ambos os pedidos.
O PSOE, por sua vez, bloqueava o salário de Fernández para conseguir, depois de 32 anos de oposição, finalmente fazer parte do governo.
Em 12 de agosto, o partido conseguiu entrar em acordo com o prefeito e deve, agora, dividir as responsabilidades na prefeitura.
“É claro que a vitória do Ciudadanos nos surpreendeu”, afirma Ignacio Rubio, representante do PSOE em Espartinas. “Mas eles colheram os frutos da oposição que fizemos por 32 anos.”
Fernández receberá o equivalente a R$ 15 mil por mês, mas não há salário retroativo, e os últimos 60 dias na função de prefeito terão sido “trabalho voluntário”.
O PP e o PSOE descreveram a gestão do Ciudadanos em Espartinas como inexperiente, em sua insistência em governar sem aliados mesmo sem ter recebido a maioria absoluta no pleito.
Fernández não é, de fato, político.
Casado e com três filhos, ele mudou-se para essa cidade há dois anos, fugindo dos altos custos de vida em Sevilha. E só decidiu concorrer à prefeitura porque estava desgostoso com a gestão do então prefeito do PP. É seu primeiro cargo público.
“Nunca estive filiado nem militei. Mas, quando cheguei a Espartinas, vi que havia um descontentamento generalizado. Não havia monitores no ensino infantil, na escola dos meus filhos, e o PP dizia que faltava verba. Enquanto isso, o prefeito anterior fazia obras-fantasma.”
A inexperiência, nesse caso, parece ter contado a favor.
Não apenas em Espartinas mas também ao redor do país, espanhóis têm-se demonstrado exaustos de uma política tradicional marcada pela corrupção e pelos resultados insatisfatórios.
Em Madri, foi eleita em maio a prefeita Manuela Carmena, representando uma união de partidos que inclui o esquerdista Podemos, um das novas forças políticas no país.
Em Barcelona, a vencedora foi Ada Colau, que também faz parte de uma lista apoiada pelo Podemos.
“O bipartidarismo era uma alternância cômoda, em que os partidos se alternavam pelo que de ruim o outro havia feito, e não devido ao seu bom trabalho. Agora isso acabou”, afirma Fernández.