A onda de violência entre árabes e judeus em cidades israelenses está assustando mais as autoridades da nação judaica do que o atual conflito com o Hamas e a Jihad Islâmica. “Não temos maior ameaça agora do que esses pogroms [violência étnica e religiosa]”, disse o primeiro-ministro israelenses, Benjamin Netanyahu. O presidente de Israel, Reuven Rivlin, fez coro à preocupação, dizendo que "uma guerra civil [seria] um perigo para nossa existência, mais do que todos os perigos que temos de fora".
Nos últimos dias, cidades de população árabe e judaica em Israel têm sido palco de linchamentos, vandalismo, agressões e intimidações perpetradas por grupos extremistas judeus e árabes. Nas redes sociais e nos veículos de comunicação do país foram transmitidas imagens de mesquitas, comércios e carros incendiados, pessoas sendo apedrejadas ou apanhando até ficarem inconscientes, além de relatos de judeus e árabes que foram esfaqueados e baleados nesses distúrbios internos que já estão sendo considerados os mais violentos em décadas. Mais de 700 pessoas foram presas.
A cidade de Lod, que fica na região central do país, se tornou um epicentro desses tumultos. As autoridades locais tiveram de aumentar a presença da polícia, estabelecer toque de recolher e proibir a entrada de pessoas que não moram na cidade para impedir que grupos extremistas de outros locais fossem para lá para criar mais confusão e violência.
Questões históricas sempre adicionaram um pouco de animosidade no convívio entre árabes e judeus em cidades mistas, mas até pouco tempo atrás, a menção a uma guerra civil como um risco para a estabilidade interna de Israel seria inimaginável, segundo o professor de política internacional, Tanguy Baghdadi. “Embora o risco de uma guerra civil seja baixo, antes [desses distúrbios] era zero. O fato de o risco existir, por menor que seja, já indica uma mudança”, disse à Gazeta do Povo.
Essa situação é vista pelas autoridades israelenses como preocupante porque os distúrbios civis têm potencial de causar mais danos à rotina da população do que os foguetes do Hamas. André Lajst, cientista político e diretor-executivo da ONG StandWithUs, explicou à Gazeta do Povo que controlar milhares de cidadãos em várias cidades israelenses pode se tornar uma tarefa muito mais desafiadora ao país do que lidar com o Hamas, que é um problema controlável e que Israel já conhece. Lajst acrescentou, porém, que não acredita que os atuais tumultos escalem para uma guerra civil em Israel.
“Apesar dos protestos e mortes de palestinos na Cisjordânia, que estão acontecendo agora, acredito que dentro de Israel não vai existir um caminho para a guerra civil, porque o Estado de Direito em Israel é muito forte”.
O que está motivando os distúrbios recentes?
Além do conflito entre Israel e o Hamas, que em quatro dias já matou mais de 120 pessoas – a maioria palestinos em Gaza –, as tensões entre alguns grupos de judeus e de árabes-israelenses já havia causado distúrbios no fim de abril, em Jerusalém, com dezenas de feridos. Vídeos postados em redes sociais que mostravam árabes agredindo jovens judeus viralizaram, provocando a realização de uma marcha da extrema-direita e um contraprotesto de árabes, em 22 de abril, nas proximidades do Portão de Damasco, na Cidade Velha. Pelo menos 105 árabes e 20 policiais ficaram feridos naquela noite.
Em maio, uma nova onda de protestos e tumultos em Jerusalém Oriental foi despertada por causa de uma ordem judicial de reintegração de posse de terrenos no bairro de Sheikh Jarrah em benefício de colonos israelenses, obrigando famílias palestinas a deixarem o local. Em três dias, cerca de 500 árabes ficaram feridos e a polícia israelense foi amplamente criticada por organizações de direitos humanos pela brutalidade da força usada para dispersar árabes que estavam barricados com pedras dentro da mesquita de al-Aqsa, que é o terceiro local mais sagrado para o islamismo sunita.
Esta brutalidade policial motivou mais protestos de árabes em cidades mistas israelenses e, segundo o Hamas, foi o motivo pelo qual o grupo terrorista iniciou a atual campanha contra Israel. E tanto os foguetes lançados contra Israel, quanto os bombardeios aéreos israelenses em Gaza estão servindo como combustível para as cenas de violência étnica vista no país nos últimos dias.
“A falta da presença da polícia e um senso de direito de fazer justiça com as próprias mãos, muitas vezes impulsionada pelas redes sociais onde as pessoas compartilham imagens de ataques em outras cidades, leva ao caos”, resumiu Seth J. Frantzman, analista do Jerusalem Post que já cobriu três guerras em Gaza. “Cada lado tem sua narrativa de ‘vingança’. Um afirma estar defendendo ‘al-Aqsa’, outro está lutando depois de ver um menino morto por foguetes do Hamas ou ouvir que sinagogas foram atacadas”.
Essas narrativas extremistas são impulsionadas pelas redes sociais e por alguns poucos líderes de ambos os lados que incitam a violência. Há também questões históricas e sociais de fundo, que vão desde disputas territoriais seculares a reclamações da comunidade árabe por causa de negligência de longa data por parte do poder público.
Mas, conforme lembrou Lajst, a maioria dos cidadãos árabes-israelenses e judeus tem um bom convívio dentro de Israel e essa violência observada nos últimos dias não é generalizada. “Árabes e judeus continuam trabalhando lado a lado em Israel, há parlamentares árabes e parlamentares judeus pedindo por calma. Não é um conflito generalizado”, lembrou.
Na noite de sexta-feira, Netanyahu voltou a falar que a violência nas cidades deve acabar, exigindo uma resposta mais firme de líderes árabes-israelenses. O primeiro-ministro disse também que as forças de segurança do país "não devem ter medo de fazer o que têm de fazer para proteger suas vidas e os pacíficos cidadãos de Israel".
"Faremos o que for necessário para restaurar a paz nas cidades de Israel", disse.
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