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O ditador Franco revive em uma eleição impossível na Espanha

Apoiadores agitam bandeiras espanholas e do partido Vox em comício do Vox em Barcelona, Espanha, 30 de março de 2019 (Foto: Angel Garcia / Bloomberg)

No seu leito de morte, o Generalíssimo queria que Deus perdoasse seus pecados e que seus súditos "mantivessem unidas as terras da Espanha".

Francisco Franco manteve o país fora da revolução de 1968 e da concepção da União Europeia, mantendo brutalmente cobertas suas múltiplas identidades. Após ele sussurrar seu desejo final no outono de 1975, a Espanha correu para recuperar o tempo perdido.

Essa jovem democracia passou de uma ditadura católica romana à acolhida do casamento gay em apenas uma geração e sua economia amplamente agrícola tornou-se uma potência europeia que mergulhou e saiu de uma crise financeira global.

Mas ela não estava equipada para lidar com o ritmo vertiginoso da mudança. Em algum lugar ao longo do caminho, o sistema político da Espanha quebrou e as forças separatistas que Franco suprimiu estão descontroladas. No domingo, os eleitores desencantados voltam às urnas pela quarta vez em quatro anos, esperando por um fim do impasse.

Os espanhóis geralmente se irritam quando jornalistas estrangeiros ligam os problemas de seu país à Guerra Civil e o regime subsequente de Franco que colaborou com o alemão Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Eles dizem que isso tudo está no passado.

Mas Franco está em todo lugar nesta eleição.

No mês passado, houve uma cobertura ininterrupta da mídia da retirada de seus restos mortais de um mausoléu em uma montanha nos arredores de Madri, que foram transportados de helicóptero para um cemitério mais discreto na capital. A história logo se tornou lenha na fogueira de uma disputa eleitoral que estava ganhando força.

Para muitos socialistas, a exumação do ditador é a conquista do primeiro-ministro interino Pedro Sánchez, que luta há mais de um ano para exercer controle sobre uma legislatura fragmentada.

"A Espanha surgiu do perdão, mas ela não deve esquecer", disse Sánchez. "Essa decisão acaba com um ultraje moral na forma de glorificação da figura de um ditador em um espaço público".

No entanto, os nacionalistas do Vox, envoltos na bandeira espanhola, estão nostálgicos das tradições dos anos de Franco. Eles devem se beneficiar de uma reação pública negativa ao movimento de independência da Catalunha. Pesquisas indicam que eles podem dobrar seus 24 assentos nessa que é apenas a sua segunda eleição nacional.

O líder do Vox, Santiago Abascal, acusa Sánchez de procurar "uma desculpa para reescrever a história" e de ceder aos separatistas catalães por necessidade política.

Para os separatistas catalães, que tentaram dividir o país em 2017, o caos atual é um terreno fértil para pressionar suas reivindicações por um Estado. Franco resolveu a questão por uma geração quando executou o homem que proclamou um estado catalão em 1934.

Durante a maior parte da era pós-Franco, a Espanha teve um sistema bipartidário clássico, comum nas democracias ocidentais. O Partido Popular defendia os valores tradicionais, enquanto os socialistas levavam ao limite as mudanças sociais. Mas como resultado da crise catalã, existem agora cinco partidos principais que dificultam muito a construção de coalizão.

Sánchez conseguiu derrubar seu rival de centro-direita com uma breve aliança com os separatistas catalães. Agora ele está desconfortavelmente dependente deles. Quando protestos violentos explodiram depois que os líderes separatistas foram condenados por sedição, ele prometeu uma reação firme, mas não seguiu adiante.

Isso lhe custaria votos na Catalunha, um reduto tradicional dos socialistas. No resto do país, ele corre o risco de perder votos por parecer muito fraco. Está muito longe da época de Franco, quando as línguas catalã e basca foram efetivamente proibidas.

Ao longo das décadas, os partidos catalães se transformaram em fiéis da balança, fechando acordos com um dos partidos, negociando a transferência de poder e dinheiro para sua região em troca de votos no parlamento nacional.

Essa abordagem fez sentido político a curto prazo, mas teve o efeito de esvaziar o Estado espanhol. E as demandas dos separatistas só aumentavam. A lenta e constante queda em direção ao fundamentalismo deixou o país basicamente ingovernável.

Os catalães uniram maiorias bloqueadoras tanto contra a esquerda quanto contra a direita nos últimos 18 meses, enquanto as divisões históricas entre o PP e os Socialistas descartaram uma grande coalizão ao estilo alemão.

Em meio a tudo isso, o PP eliminou seu legado de corrupção, uma revolução catalã começou e terminou, e um partido de centristas pró-mercado chamado Ciudadanos surgiu do nada para quase conquistar o poder e depois implodiu. O Podemos, um movimento anti-establishment que surgiu como resultado da crise financeira, também está perdendo força.

E, no entanto, permanece a pergunta: em que tipo de país os eleitores querem morar?

Sánchez oferece uma visão de uma sociedade plural e inclusiva ao estilo escandinavo, mas não entra em detalhes sobre como ele pretende pagar por isso. Sob Pablo Casado, o PP esboçou um renascimento Thatcherista. No aqui e agora, as tribos políticas da Espanha ainda estão apenas batendo cabeças enquanto o mundo segue em frente sem elas.

Para Sebastian Balfour, professor de história na London School of Economics, a retórica vazia sobre Franco é pura distração de uma classe política que não sabe como lidar com questões como desemprego crônico entre jovens e estabilidade de emprego.

"Você não vê muito esforço para resolver as preocupações reais que as pessoas têm", disse ele. "Há muitas queixas novas, especialmente entre as gerações mais jovens".

Mas para os políticos em pé de eleição permanente, é mais fácil falar sobre o cara morto.

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