Violações
Corte Interamericana emitiu 16 sentenças condenatórias ao país
Entre 1995 e 2012, a Venezuela foi alvo de 16 sentenças condenatórias emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, segundo reportagem do jornal El País. Todas elas foram acatadas apenas parcialmente e, entre as determinações, está o pagamento de US$ 9,7 milhões (cerca de R$ 21,3 milhões) a mais de 250 famílias, como indenização pelos danos causados.
Entre as razões para essas sentenças estão o assassinato de 18 pescadores por militares em 1988, a repressão a uma manifestação popular ocorrida em 1989 que ficou conhecida como "El Caracazo" e o fechamento de emissoras de televisão em 2007. Todos esses casos não foram julgados pelos tribunais venezuelanos e, por causa disso, as vítimas recorreram à OEA.
Eleições
A última denúncia recebida pelo órgão contra a Venezuela foi a de fraude na última eleição presidencial, realizada em abril deste ano. O atual presidente Nicolás Maduro venceu Henrique Capriles por uma margem de apenas 1,5 ponto percentual. A oposição alega que houve compra de votos e manipulação dos resultados.
US$ 9,7 milhões é quanto o governo da Venezuela já foi condenado a pagar para mais de 250 famílias, a título de indenização por violações dos direitos humanos.
A Venezuela não faz mais parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde o último dia 10. Confirmando uma decisão tomada pelo ex-presidente Hugo Chávez em 2012, o país deixou de fazer parte do organismo responsável por receber e apurar denúncias de violações dos direitos humanos nas Américas. Enquanto o governo venezuelano se diz vítima de perseguição política, entidades temem que a população do país fique desamparada.
Quando anunciou a retirada, em setembro do ano passado, Chávez (morto em março passado) criticou a falta de isenção e de neutralidade nos julgamentos da Corte, classificando o órgão como uma "máfia". Ao confirmar a decisão, o atual presidente, Nicolás Maduro, reforçou as críticas. "O sistema se tornou um instrumento de perseguição contra os governos progressistas que começaram com a chegada do presidente Chávez", afirmou.
Entidades internacionais lançaram apelos para que o governo venezuelano reveja sua decisão. A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que a medida pode ter consequências não apenas dentro da Venezuela. "Acreditamos que isso [a saída da Venezuela] pode ter um impacto muito negativo na situação dos direitos fundamentais no país e na região", afirmou Rupert Colville, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
José Miguel Vivanco, diretor da organização Observatório dos Direitos Humanos, encaminhou correspondência aos presidentes de países do Mercosul, pedindo que ajam no sentido de convencer a Venezuela a mudar seu posicionamento. "Isso é especialmente problemático em um país onde falta independência judicial e cujo Supremo Tribunal vem repetidamente defendendo políticas governamentais que prejudicam os direitos básicos", diz o texto.
Fragilização
Para Tatyana Friedrich, professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a atitude da Venezuela é "condenável". "Todo Estado é soberano para aderir ou se retirar de tratados internacionais e dos órgãos neles previstos. Mas retirar-se de um sistema de direitos humanos é cheio de significados, pois ali o que se busca salvaguardar são os direitos inerentes a todo ser humano, que nenhum Estado, e nenhuma pessoa, deveria violar", afirma.
Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Jayme Benvenuto Lima Junior acredita que o Sistema de Direitos Humanos fica fragilizado. "O sistema poderia se fortalecer com a adesão universal dos países ou então com a criação de um novo organismo. A simples retirada revela apenas uma postura arrogante do governo venezuelano".
Sistema é alvo de críticas internas
Não é de hoje que o principal organismo de defesa dos direitos humanos nas Américas é alvo de críticas por parte de alguns governos. Uma das questões que tornam o Sistema Interamericano de Direitos Humanos alvo de contestação é o fato de o órgão estar sediado em Washington, capital dos Estados Unidos, sendo que o país não assinou a Convenção Americana de Direitos Humanos.
"É um organismo que funciona em partes. A comissão está sediada em Washington, sem que os Estados Unidos, assim como o Canadá, participem plenamente do seu funcionamento. É necessário que os demais Estados façam uma pressão no sentido de que os dois países se integrem de fato", acredita o professor da Unila Jayme Benvenuto Lima. Outra alternativa é de que os membros da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) criem um organismo próprio de defesa dos direitos humanos.
Participação
Para Tatyana Friedrich, é preciso aprimorar os mecanismos de participação das populações. "O indivíduo não tem acesso direto à Corte, o caso deve passar pela comissão inicialmente e esta pode enviar o caso à Corte. O sistema europeu há muito tempo deixou de atuar através do filtro da comissão, permitindo o acesso direto das pessoas à Corte Europeia. Aqui deveríamos seguir os mesmos passos", defende.
Estado foi um dos primeiros na convenção
A Venezuela foi o terceiro Estado membro da OEA a ratificar a Convenção Americana dos Direitos Humanos, em junho de 1977, e também o terceiro que, após a assinatura, foi denunciado à comissão. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi criada em 1959 pela OEA e se constitui em um dos órgãos do Sistema Interamericano responsáveis pela promoção e pela proteção dos direitos humanos. À comissão cabe estimular, recomendar e promover o respeito aos direitos humanos por parte dos governos, enquanto a Corte Interamericana é encarregada de julgar os Estados quando as recomendações da comissão não são suficientes. A comissão é constituída por sete membros, eleitos pela Assembleia Geral e que exercem suas funções por um período de quatro anos, podendo ser reeleitos uma só vez.