Assim que se mudou para seu novo apartamento, o professor palestino Ryiad Hodali, especialista em meio ambiente e recursos renováveis, contatou a companhia telefônica para instalar um telefone fixo. No momento em que ouviu o endereço, o atendente foi logo avisando: "Acho que vai demorar". Acertou: levou quatro meses para aparecer um técnico. O motivo é o fato de que Hodali se mudou para Kafr Aqab, um bairro dividido entre israelenses e palestinos onde seus moradores se sentem numa "terra de ninguém". Nenhum dos dois governos se responsabiliza pelo serviços básicos. A coleta de lixo é esporádica. Policiamento ou bombeiros? Nem pensar. Nenhuma seguradora aceita clientes do bairro. A quantidade de escolas é insuficiente, bem como a de postos de saúde. O único sinal de trânsito parou de funcionar há dois anos e não foi consertado.

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Apesar disso, Kafr Akab cresce a olhos vistos. Há dez anos, tinha 5 mil habitantes. Hoje, conta com cerca de 90 mil. Algo aparentemente estranho para um bairro duplamente dividido. Cerca de um quarto da área do bairro - pouco mais de 1 quilômetro quadrado - é considerado parte da Cisjordânia. Lá, há casas antigas e terrenos baldios. A população é de 5 mil pessoas. Mas três quartos do bairro, no entanto, estão inseridos nas fronteiras oficiais de Jerusalém, controlada por Israel, com centenas de prédios altos em mais de 85 mil habitantes. Mas a divisão não para por aí: a parte israelense do bairro fica do lado palestino do polêmico Muro da Cisjordânia, que há mais de uma década separa Israel da Cisjordânia.

Para chegar a Kafr Aqab, portanto, o técnico da companhia telefônica israelense Bezeq teve que cruzar o posto de controle de Qalandyia, o que é considerado perigoso para israelenses. Para piorar a situação, empresas palestinas se recusam a prestar serviços no lado israelense.

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"Esse bairro é uma das maiores vítimas desses conflito entre dois povos", afirma Ryiad Hodali. "No passado, era habitado por famílias de classe média. Mas virou quase um campo de refugiados do qual ninguém se aproxima, apesar de pagarmos IPTU à prefeitura de Jerusalém."

Centímetros fazem a diferença entre o lado israelense e o palestino. Em 2011, a família Badriyas teve a cidadania israelense revogada porque especialistas em mapas locais concluíram que só 35% de sua casa estava na parte israelense. Os outros 65% estavam na parte palestina. "Israel não poupa esforços para empurrar palestinos para fora de Jerusalém", afirmou a ONG pró-palestina Ir Amin em reação à decisão.

"Peões na política do conflito"

O crescimento caótico da parte israelense de Kafr Aqab tem um motivo. Muitos palestinos que moram em Jerusalém Oriental enfrentam problemas com a falta de novas construções na região e acabam buscando opções de moradia na periferia. Eles gozam de um tipo de status especial israelense, de residentes permanentes, e recebem assistência médica e educação gratuita. O status especial, no entanto, só vale para quem mora em Jerusalém. Quem mudar de cidade, perde os privilégios e não é elegível para receber identidade palestina. Torna-se apátrida.

"O governo palestino considera que os jerusalemitas palestinos precisam fazer de tudo para continuar morando na cidade sagrada, para evitar que seja eventualmente habitada só por judeus. Então, se nega a dar identidade palestina a quem abandona Jerusalém", explica Hodali. "Acabamos sendo peões na política do conflito."

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Para manter a residência permanente em Israel, centenas de milhares de jerusalemitas palestinos se mudaram para a parte israelense de Kafr Aqab. Lá, empreiteiros constroem edifícios altíssimos para os padrões locais (15 andares, quando Ramallah só permite quatro) e com qualidade duvidosa. Afinal, não foram supervisionados por nenhum órgão governamental. Por tudo isso, cada apartamento de 100m² custa a bagatela de US$ 60 mil - uma casa do mesmo tamanho sai por US$ 500 mil em Beit Hanina, bairro árabe de Jerusalém.