Instalação de alta segurança perto do que se acredita ser um campo de reeducação onde minorias étnicas muçulmanas são detidas| Foto: GREG BAKER/AFP

Novos detalhes, revelados por documentos vazados, oferecem uma rara visão para as deliberações de um dos governos mais opacos do mundo: a China. O jornal New York Times teve acesso a 403 páginas de diretrizes do Partido Comunista, relatórios, notas de investigações internas e discursos internos proferidos por autoridades do partido, incluindo o presidente Xi Jinping, sobre as origens dos planos de prisões em massa de mais de um milhão de uigures e outras minorias muçulmanas na província de Xinjiang.

CARREGANDO :)
CARREGANDO :)

Esses documentos mostram como uma onda de violência étnica e ataques terroristas no início da década convenceram Xi a liberar os "órgãos da ditadura" - suas próprias palavras, em um discurso privado. Aparentemente, isso envolveu confrontos em massa, a construção de um aparato de controle e vigilância do século XXI e um ataque sistemático à capacidade dos moradores da região de observar sua fé islâmica.

Como justificativa para a repressão, uma importante autoridade chinesa em Xinjiang alertou para os "riscos" de colocar "direitos humanos acima da segurança" em uma diretiva de 10 páginas a partir de 2017.

Publicidade

O vazamento dos documentos também aponta para um desacordo interno sobre a repressão na região, já que foi entregue ao New York Times por uma figura do "establishment político chinês" que "expressou esperança de que sua divulgação impedisse os líderes partidários, incluindo Xi, de escapar da culpa pelas detenções em massa".

Ameaça a jovens muçulmanos

Um dos documento mais impressionantes é uma diretiva classificada emitida para autoridades locais em uma cidade do leste de Xinjiang sobre como conversar com estudantes uigures que retornam de outras partes da China e descobrem que seus parentes e amigos desapareceram em campos de detenção.

Eles foram instruídos a dizer aos jovens que seus parentes haviam sido "infectados por pensamentos prejudiciais", enquadrando a desconfiança do Estado em relação às minorias muçulmanas em termos clínicos. "A liberdade só é possível quando esse 'vírus' em seu pensamento é erradicado e eles fiquem em boa saúde", dizia a diretiva.

Sistema de pontos

O New York Times também relatou evidências do que parece ser um "sistema de pontuação" usado pelas autoridades para determinar quem é libertado de um campo. Ele incorpora não apenas o comportamento dos detidos, mas também a cooperação de parentes externos. "Os membros da família, incluindo você, devem cumprir as leis e regras do estado, e não acreditar ou espalhar boatos", as autoridades deveriam dizer. "Somente então você poderá somar pontos para seu familiar e, após um período de avaliação, eles poderão deixar a escola se cumprirem os padrões de conclusão do curso".

"Crenças tóxicas"

Entre os documentos, o presidente Xi, chefe do Partido Comunista, não aparece dando ordens diretas para a criação de centros de detenção de muçulmanos uigures, mas segundo a publicação americana ele associou a instabilidade em Xinjiang à influência de “crenças tóxicas”, pedindo que ela fossem erradicadas. Em 2014, Xi visitou a província semanas depois de u atentado realizado por militantes uigures que deixou 31 mortos e mais de 150 feridos em uma estação de trem. Na ocasião, ele defendeu um "esforço total contra o terrorismo, infiltração e separatismo”, usando os "órgãos da ditadura" e para "não mostrar qualquer piedade". Ataques terroristas em outras partes do mundo aumentaram os temores do governo chinês.

Publicidade

Resistência

A reportagem do New York Times aponta para pequenos atos de resistência. Em 2017, Wang Yongzhi, uma autoridade local em uma prefeitura no sul de Xinjiang, libertou silenciosamente 7.000 presos do campo por sua própria vontade. Como resultado, ele foi tirado de sua posição, processado e considerado um funcionário "corrupto". "Eu diminuí, agi de maneira seletiva e fiz meus próprios ajustes, acreditando que reunir tantas pessoas conscientemente provocaria conflitos e aprofundaria o ressentimento", escreveu Wang em uma confissão assinada que ele pode ter feito sob coação. "Sem aprovação e por minha própria iniciativa, eu quebrei as regras".

O que diz o governo chinês

Em resposta à reportagem do New York Times, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse que medidas "preventivas" em Xinjiang ajudaram a impedir ataques terroristas. Ele não contestou a autenticidade dos documentos revelados pelo jornal.