O presidente eleito da Colômbia, Iván Duque, afirmou em seu discurso de vitória que não vai "rasgar" o acordo de paz com as Farc, assinado pelo atual mandatário, Juan Manuel Santos. No entanto, falou em correções para que "as vítimas sejam o centro do processo, para garantir verdade, justiça e reparação".
Segundo Duque, é preciso lutar para que "o desarmamento e a desmobilização dos guerrilheiros sejam completos, que os deslocados internos possam voltar para casa, e que a Justiça será feita com a lei, e não com vinganças".
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Durante a campanha, o então candidato já dizia que não ia "destruir" o pacto, mas que proporia mudanças em alguns aspectos. Afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), ele foi um dos líderes da campanha do "não" no plebiscito sobre o acordo, em 2016 - Santos, então, teve de aprová-lo via Congresso.
Em resposta ao discurso deste domingo (17), as Farc cobraram sensatez do novo mandatário. "O que o país demanda é uma paz integral, que nos conduza à esperada reconciliação. (...) Burlar esse propósito não pode ser plano de governo", afirmou a ex-guerrilha em um comunicado.
Em tese, Duque não poderia mexer no tratado, blindado por um mecanismo que garantiria sua intocabilidade ao menos até 2026. Porém, ele estuda como alterá-lo por meio de emendas constitucionais apresentadas ao Congresso.
O que Duque quer mudar no acordo de paz
O primeiro ponto que o incomoda tem a ver com a ocupação de assentos parlamentares por ex-chefes da guerrilha que cometeram crimes de lesa-humanidade. Duque não questiona a destinação de cadeiras ao agora partido Farc, mas sim que seus titulares sejam figuras com condenações.
"Vários 'cabeças' da ex-guerrilha já têm condenação de antes da JEP (Justiça Especial de Paz, estabelecida pelo acordo). Considero que não são aptos a sentar no Congresso enquanto não estiverem quites com a Justiça", disse ao jornal Folha de São Paulo em entrevista.
É importante notar que os eleitos agora gozam de foro privilegiado - o acordo garantiu à guerrilha 5 cadeiras na Câmara e 5 no Senado, embora os candidatos apoiados pelas Farc tenham obtido apenas 52 mil votos em um universo de 17,3 milhões de eleitores.
Outra de suas inquietações é mais difícil de modificar. O tratado diz que os delitos cometidos "para financiar as ações da guerrilha" podem ser anistiados, caso o tribunal especial (JEP) assim considere. Outro artigo fixa que crimes de lesa-humanidade (tortura, assassinatos, estupro) não são anistiáveis. Boa parte do financiamento da guerrilha veio do narcotráfico.
"O narcotráfico é um crime de lesa-humanidade, teria de ser um dos não anistiáveis", afirmou Duque durante a campanha.
O presidente eleito também aponta para deficiências na instalação da JEP, que ainda não tem um estatuto interno, o que poderia ser usado por ele para tentar desmantelar o tribunal.
Essa tentativa, porém, esbarraria no Congresso, onde o uribismo não tem a maioria necessária, e na blindagem estabelecida pela Justiça.
As próprias Farc dizem que mudanças na Justiça especial e suspensão de anistias poderiam causar mais dissidências e mais violência no campo. A JEP não atua só no julgamento de crimes cometidos pela guerrilha, mas também na determinação das indenizações para parentes de vítimas.
Duque herdará país ainda marcado por décadas de conflito
Com 41 anos, o afilhado político do ex-presidente Pedro Uribe se torna o mais jovem presidente eleito da Colômbia em mais de um século.
Durante a campanha, Duque mostrou-se contrário ao acordo com as Farc, prometendo endurecer guerra contra as drogas. Seu adversário, Gustavo Petro, por sua vez, atraiu multidões com seus discursos inflamados, prometendo melhorar a vida dos mais pobres.
"Eu vim aqui para realizar um sonho", disse Duque após votar neste domingo. "Para a Colômbia ser governada por uma nova geração, aquela que quer governar para todos. Um governo que una o país e mude a página da corrupção".
Eleito para presidir a Colômbia até 2022, o novo presidente herdará um país ainda marcado por mais de cinco décadas de conflito sangrento pela crescente produção de coca. Ex-guerrilheiros das Farc tentam se reinserir na vida civil em um país onde muitos permanecem hesitantes em perdoar. Vastas faixas de território remoto permanecem sob o controle de violentas máfias de drogas e bandos rebeldes.