O presidente da França, Emmanuel Macron, é odiado por dez em cada dez conservadores brasileiros por atitudes como sua defesa do aborto e seu discurso sobre a Amazônia – considerado intervencionista e uma desculpa para proteger os interesses do agronegócio francês. Mas um crédito não lhe pode ser negado: a economia da França está melhor do que a dos seus principais vizinhos.
No segundo trimestre deste ano, enquanto o PIB geral da zona do euro cresceu 0,3%, a economia francesa teve um incremento de 0,5%, puxado por fortes exportações.
“Observamos que, pela primeira vez, o crescimento francês é impulsionado pelas exportações, pelo investimento empresarial, muito mais do que pelo consumo das famílias”, afirmou o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, à rádio RTL. “Isso mostra mais uma vez que nosso motor de produção está funcionando bem e com eficiência.”
O número francês não é impressionante, mas é importante lembrar que a Europa sofre as consequências da pandemia e da guerra na Ucrânia, como a inflação e a necessidade de se livrar das importações de energia da Rússia. No mesmo período, a Alemanha, maior economia da Europa, ficou estagnada após dois trimestres de contração e o PIB italiano teve retração de 0,3%.
Em um artigo publicado no final de julho, no qual lembrou que o crescimento acumulado do PIB da França desde 2018 é o dobro do registrado na Alemanha e superior ao do Reino Unido, Itália e Espanha e que a taxa de desemprego francesa (na casa dos 7%) é a mais baixa em 15 anos, a revista inglesa The Economist citou alguns motivos para o melhor desempenho do país na comparação com outras grandes economias europeias.
Enquanto a Alemanha sofre para substituir as importações de gás da Rússia, as usinas nucleares respondem por cerca de 70% da energia consumida pela França.
A Economist citou também a relativa estabilidade política francesa (enquanto Itália e Reino Unido mudam de primeiro-ministro o tempo todo) e que a economia global vive uma onda de intervencionismo estatal, uma tradição na França que “remonta ao ministro das finanças de Luís XIV, Jean-Baptiste Colbert”, e que, por estar disseminada pelo mundo, já não assusta tanto investidores e empresas.
A revista inglesa também elogiou o melhor ambiente de negócios sob Macron: na edição mais recente do evento Choose France (“Escolha a França”), mais de 200 empresários estrangeiros viajaram para jantar em Versalhes e anunciar investimentos de mais de 13 bilhões de euros.
Sinalizando a paz com o “grande capital” (como descreve a esquerda francesa, que chama Macron de “presidente dos ricos”), Macron aboliu em 2017 o imposto sobre fortunas francês e o substituiu no ano seguinte por uma taxa sobre o patrimônio imobiliário, e este ano encarou a hostilidade de protestos gigantescos para promover uma reforma previdenciária, que entrou em vigor nesta sexta-feira (1º).
A idade mínima para aposentadoria passará de 62 para 64 anos de idade até 2030 e o tempo de contribuição necessário para receber o benefício integral será de 43 anos a partir de 2027. O governo Macron projeta uma economia de cerca de 20 bilhões de euros por ano. A França gasta atualmente cerca de 14% do seu PIB em previdência, a maior proporção da zona do euro.
Problemas para o futuro
Entretanto, apesar do atual retrato melhor na comparação com os vizinhos, a economia da França enfrenta uma série de desafios. A média salarial real permanece estagnada e o país tem a segunda maior carga tributária em relação ao PIB entre os integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atrás apenas da Dinamarca.
A energia nuclear é um trunfo francês, mas a manutenção das usinas é um problema. Em novembro do ano passado, 26 dos 56 reatores nucleares da França estavam fechados para reparos ou manutenção, o que obrigou o país a importar energia pela primeira vez em 30 anos.
Além disso, os recentes golpes de Estado na África despertaram preocupações sobre o fornecimento de urânio para a França a médio e longo prazo. O Níger, onde uma junta militar hostil a Paris assumiu o poder no final de julho, respondeu por 18% das importações francesas de urânio entre 2005 e 2020, segundo informações do jornal Le Figaro.
Para complicar, o ranking de liberdade econômica de 2023 da Fundação Heritage colocou a França em apenas 57º lugar no mundo e em 33º entre 44 países da Europa pesquisados e o envelhecimento da população levanta questões sobre produtividade e despesas com saúde pública e previdência, apesar da reforma promovida por Macron.
Uma reportagem do Le Monde apontou que 26% da população francesa tem mais de 60 anos e em 2040 essa proporção chegará a 33%.
Para completar o diagnóstico de que a situação da França é desafiadora, nesta semana, o governo anunciou que o número de produtos com limites de preços nos supermercados (o famoso congelamento), por meio de acordos com produtores e distribuidores, será duplicado para 5 mil, uma resposta à inflação interanual de 11,1% nos preços dos alimentos.
A Argentina pode atestar que o congelamento de preços nunca dá resultados positivos – e a adoção dessa medida mostra que a França, apesar do momento melhor em relação a outras potências europeias, ainda tem muito a aprender.