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Após primavera árabe

Egípcios votam para estender o governo autoritário do presidente e aumentar seu poder

Egípcios mostram suas mãos pintadas após votarem durante o terceiro dia do referendo sobre emendas constitucionais, na província de Menoufia, 22 de abril. Foto: Mohamed el-Shahed / AFP (Foto: )

Os egípcios votaram esmagadoramente para estender o governo do presidente Abdel Fatah el-Sissi e expandir os seus poderes, aprofundando o seu poder sobre o país mais populoso do mundo árabe, segundo os resultados de um referendo anunciados nesta terça-feira (23).

Críticos e grupos de oposição denunciaram rapidamente a votação para alterar as emendas constitucionais como fraudulentas.

Durante semanas, uma campanha altamente orquestrada dos partidários de Sissi no governo e no setor privado esteve em andamento para garantir que ele possa permanecer como presidente até 2030, enquanto ele ganha poderes sem precedentes sobre o Judiciário e outros órgãos legislativos. Autoridades prenderam opositores e bloquearam milhares de sites em um esforço para acabar com uma campanha online contra as mudanças constitucionais propostas.

Sem surpresa, a contagem final de votos, que chegou menos de 24 horas após o fechamento das seções, mostrou que as emendas passaram com 88% dos votos, contra 11%, com um comparecimento de 44%. Apenas 62 milhões de egípcios em um país de mais de 100 milhões eram elegíveis para votar.

Sissi, de 64 anos, terá agora mais poderes que seus antecessores e sua crescente influência contrasta fortemente com as rebeliões populares na Argélia e no Sudão nas últimas semanas que derrubaram os ses ditadores. Em vez disso, a aprovação das emendas é o mais recente, e talvez o mais devastador, sinal de que a revolução da Primavera Árabe em 2011, que derrubou o presidente Hosni Mubarak, não trouxe as reformas democráticas que muitos egípcios esperavam e lutaram para alcançar.

Em vez disso, os críticos temem que Sissi agora aumente a repressão aos críticos e opositores que já levou a dezenas de milhares de prisões, meios de comunicação independentes e ativistas silenciados, e centenas de sites considerados críticos a Sissi bloqueados.

Mandato prolongado e controle sem precedentes

O atual mandato de Sissi - ele foi reeleito no ano passado em uma eleição que também foi marcada por prisões e intimidação de opositores - será agora prorrogado por mais dois anos e ele poderá voltar a concorrer em 2024 por mais seis anos. As emendas dão a ele o controle sobre a nomeação de juízes, e dá aos militares, que já foram liderados por Sissi e que continua sendo o corpo mais poderoso do Egito, mais influência na política.

Em uma declaração em sua conta oficial no Twitter, Sissi elogiou o comparecimento e o apoio para estender seu governo, chamando-o de "tributo ao povo egípcio que impressionou o mundo com sua consciência nacional dos desafios enfrentados por nosso querido Egito".

Mas os grupos da oposição rejeitaram a votação. "Não reconhecemos esse resultado, resultante de um referendo fraudulento, e o consideramos completamente nulo e sem efeito, tanto formal quanto substantivamente", disse nas terça-feira em um comunicado um grupo de importantes figuras da oposição egípcia, a maioria no exílio. "Acreditamos que o Egito está agora passando por um estado de crise constitucional, depois que o regime destruiu qualquer tipo de legitimidade".

Críticos disseram que a votação relâmpago, realizada três dias depois que os legisladores votaram para submeter as emendas para um referendo nacional, deu pouco tempo para educar os egípcios sobre as medidas ou permitir que a oposição se preparasse. Os três dias de votação, que terminaram na segunda-feira, também foram marcados por irregularidades nas votações, incluindo a distribuição de alimentos em troca de votos.

Comida em troca de voto

Em um esforço para aumentar o comparecimento dos eleitores, os egípcios receberam pacotes de comida e transporte gratuito, e em alguns casos foram ordenados a votar em favor de mudanças constitucionais para prolongar o governo de Sissi no referendo de três dias.

Em uma estação de votação, os eleitores estavam com cupons e abertamente exigiam saber dos apoiadores de Sissi onde eles podiam recolher seus pacotes de comida, que incluíam arroz, óleo e açúcar, depois de terem votado. O local para pegar os pacotes de comida ficava na próxima quadra, a menos de um minuto a pé, em uma casa onde os eleitores estavam reunidos para tentar resgatar os cupons.

"As pessoas estão recebendo um carimbo em seus cartões para confirmar que votaram para poder pegar as coisas", explicou uma mulher em frente à casa.

Essas práticas foram um indicador da campanha orquestrada para garantir que Sissi permaneça como presidente até 2030.

Em questão de poucas semanas, o parlamento dominado pelos partidários de Sissi aprovou as emendas constitucionais para estender os mandatos presidenciais a seis anos e permitir que Sissi concorresse a um terceiro mandato. O governo de Sissi silenciou qualquer oposição.

Mais de uma semana antes da votação, os partidários de Sissi lotaram Cairo e outras cidades com cartazes com o rosto de Sissi apelando para os egípcios votarem "sim" para as mudanças. Em dezenas de voltas pela capital, nem um único cartaz em favor do "não" foi visto.

Esta não foi a primeira vez que Sissi apostou tudo para manter o controle. Ele foi reeleito no ano passado depois que todos os seus oponentes viáveis foram expulsos da disputa, inclusive por meio de prisões e outras formas de intimidação.

Em um comunicado, o Serviço de Informações do Estado descreveu os relatos de distribuição de alimentos como limitados e disse que nenhuma entidade estatal estava envolvida. O texto também afirmou que se o governo quisesse influenciar os eleitores, não precisaria recorrer a tais medidas.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos também informou que veículos com propagandas de partidos políticos foram vistos transportando pessoas para os centros de votação.

Enquanto isso, caminhões atravessavam as ruas do Cairo com telas de LED nas laterais, reproduzindo vídeos promovendo Sissi e incentivando as pessoas a votarem.

Alguns eleitores disseram que foram ordenados por seus superiores a votar em Sissi. "Nossa diretora nos ditou o que fazer", disse Menna Ahmad, 34 anos, professora de ciências que disse que votou "sim". "Ela nos disse: 'Vá. Eu apoio Sissi e você tem que apoiá-lo como eu.' Ela de fato nos disse para participar, mas na prática nos obrigou a apoiar Sissi e votar "sim"."

Ahmad disse que ela também foi instruída a tirar uma foto de dentro do centro de votação para provar à diretora que havia votado.

Números contestados

Muitos egípcios e críticos de Sissi nas redes sociais contestaram o comparecimento de eleitores de 44%.

"Esse número de participação de 44% é absurdo", tuitou Timothy Kaldas, analista do Instituto Tahrir para a Política do Oriente Médio, com sede em Washington. "Como comparação, no primeiro turno da eleição presidencial em 2012, quando as pessoas entendiam as opções e acreditavam que seus votos eram importantes, o comparecimento foi de 46%. Nessa votação, muitos não entenderam as alterações e não acreditavam que seu voto teria impacto."

Os defensores de Sissi disseram que ele é a melhor chance de estabilidade política e econômica, apesar de ter implementado medidas de austeridade que elevaram os preços e reduziram os subsídios. Outros eleitores disseram que ele está fazendo um trabalho efetivo na luta contra o terrorismo, especialmente contra um virulento ramo do Estado Islâmico na região norte do Sinai.

"O presidente plantou uma boa semente, então agora é hora de ser paciente e esperar que ela floresça", disse Mohamed Ahmed Bahgat, 69, um coronel aposentado do exército que possui uma pequena livraria. "Nós não precisamos de um homem diferente para vir e começar tudo de novo, ou apenas sentar e culpar aqueles antes dele. Então este homem tem que continuar."

Era raro encontrar alguém que votou contra as mudanças. E aqueles que votaram contra reconheceram que esse era um ato inútil.

"O governo já decidiu, independentemente do que eu pense", disse Yasser Muhammed, de 49 anos, um funcionário público que disse que votou "não".

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