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A morte de Shaimaa el-Sabbagh no dia 24 de janeiro foi capturada em fotos e vídeos; esquerda, seu funeral no dia seguinte |
A morte de Shaimaa el-Sabbagh no dia 24 de janeiro foi capturada em fotos e vídeos; esquerda, seu funeral no dia seguinte| Foto:

Seus amigos queriam colocar uma coroa de flores na Praça Tahrir, como um memorial, mas Shaimaa el-Sabbagh os fez reconsiderar. Ela temia que a polícia atacasse, confundindo-os com apoiantes do proscrito grupo Irmandade Muçulmana , disse seu primo, Sami Mohamed Ibrahim.

Seus amigos perguntaram como a polícia poderia atacar civis que estavam armados apenas com flores. Então, ela se despediu de seu filho de cinco anos, Bilal; deixou-o sob os cuidados de um amigo perto de sua casa em Alexandria e embarcou em um trem para o Cairo.

Na tarde de 24 de Janeiro, Shaimaa, de 31 anos, estava morta em uma rua no centro da cidade, um símbolo potente da força letal que autoridades egípcias adotaram para silenciar a dissidência que se iniciou há quatro anos.

Fortes imagens de sua morte se espalharam por todos os lados aqui, tanto que, em uma aparição na televisão no dia primeiro de fevereiro, até mesmo o presidente Abdel Fattah el-Sisi ofereceu suas condolências. A polícia tenta se esquivar da culpa dizendo que sua morte se deve à seu perfil: mãe, poetisa e ativista política de esquerda que apoiou o atentado militar contra o presidente islâmico.

Fotógrafos e cinegrafistas capturaram sua morte. Quando a procissão começou, a polícia de choque atacou a multidão com gás lacrimogêneo e tiros de chumbinho. Uma arma foi disparada. Um amigo segurou Shaimaa na tentativa de mantê-la em pé, com o sangue escorrendo pelo rosto. Outro amigo carregou-a através do gás na vã tentativa de salvá-la.

"Uma mulher que saiu para colocar uma coroa de flores na Praça Tahrir — nós a vemos dando seu último suspiro", diz Ghada Shahbandar, egípcia defensora dos direitos humanos. "Nenhuma imagem pode ser mais explícita."

"É uma vergonha", diz ela, lamentando as surreais tentativas dos apoiantes do governo de culpar uma conspiração sombria. Shaimaa é apenas um nome em uma lista de milhares mortos pela polícia desde que a Primavera Árabe começou em 2011. Mais de 800 foram mortos durante a revolta de 18 dias contra o Presidente Hosni Mubarak.

Quase mil foram mortos no dia 14 de agosto de 2013, quando soldados e policiais atacaram um protesto de partidários do presidente deposto Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana. Centenas mais morreram naquele verão.

Mas em "um momento de colapso de liberdades", Shaimaa se tornou "um símbolo da revolução", disse Sayed Abu Elela, de 31 anos, o amigo que a segurou depois que foi baleada.

Shaimaa cresceu em um lar muçulmano conservador, mas se rebelou contra as tradições, dizem seus amigos, e seu pai, um pregador muçulmano que morreu há alguns anos, acabou aceitando sua independência. Ela fazia parte de um pequeno grupo de poetas egípcios que usava o estilo vanguardista do verso livre, escrito no coloquial árabe popular. Ela se casou com o artista plástico Osama el-Sehely, fez mestrado em Folclore na Academia de Artes do Cairo e apaixonou-se por documentar o enfraquecimento das tradições na vida diária.

Depois da revolta em 2011, Shaimaa se juntou ao Partido da Aliança Popular Socialista. Era sempre vista em manifestações, e seus amigos a chamavam de "a voz da revolução" por causa de seu talento para o canto. Quando um entrevistador de televisão em 2012 lhe pediu que fizesse uma retrospectiva do período "pós- revolução", ela disse: "Ainda estamos vivendo a 'pós-revolução'."

Autoridades egípcias rapidamente prometeram uma investigação completa sobre sua morte. Mas um porta-voz do Ministério do Interior deixou claro que eximia a polícia de culpa.

A história de Shaimaa, porém, dificultou a explicação das autoridades que tentavam acusá-la de traição ou violência. Até mesmo o emblemático jornal estatal, o Al Ahram, publicou um editorial expressando uma rara crítica oficial dirigida à polícia egípcia.

"A pacífica Shaimaa apenas sonhava com um país livre", escreveu Ahmed el-Sayed al-Naggar, presidente da organização estatal de notícias, mas "foi morta a sangue frio pelas mesmas pessoas que mataram os mártires a quem ela estava prestando homenagem".

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