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Estados Unidos

Ele foi solto depois de 21 anos – por um crime que outra pessoa confessou há 17 anos

John Miller, liberado após passar 21 anos na prisão por um crime que não cometeu, Filadélfia, Estados Unidos, 31 de julho de 2019 (Foto: Reprodução / NBC Philadelphia)

Em 1997, um júri da Filadélfia condenou John Miller por assassinato.

Os promotores argumentaram que o jovem de 22 anos atirou e matou um funcionário de estacionamento durante uma tentativa de assalto, um crime que implicou em uma sentença de prisão perpétua. Miller era culpado, eles disseram, porque uma testemunha-chave disse que ele estava no local – apesar do fato de que a testemunha-chave tenha retratado essa declaração duas vezes.

O júri o condenou mesmo assim.

Agora, 21 anos depois, juízes estaduais e federais na Pensilvânia, bem como a mesma Procuradoria Distrital da Filadélfia que o acusou de assassinato, admitiram que Miller sempre foi inocente.

Na manhã de quarta-feira, o homem de 44 anos saiu livre da prisão. "Logo que saí pela porta, olhei para cima", Miller disse a repórteres, "e fiquei grato e abençoado pelo que Deus fez por mim".

Foram necessários duas décadas atrás das grades, dez recursos e nove anos de trabalho pro bono dos advogados da empresa de advocacia Pepper Hamilton LLP e do Pennsylvania Innocence Project (uma organização que trabalha para reverter a prisão de inocentes) para tornar isso realidade.

O caso de Miller, um dos primeiros da organização, teve falhas desde o início.

Anthony Mullen foi baleado e morto no outono de 1996, durante uma tentativa de assalto em um estacionamento na Filadélfia.

Durante meses, o caso não avançou, até que a polícia prendeu David Williams por um assalto não relacionado. Em troca de leniência, Williams disse que poderia dar informações às autoridades sobre o assassinato de 1996. Ele contou a dois detetives que Miller, seu vizinho e antigo conhecido, havia confessado o homicídio.

Não havia evidências físicas que ligassem Miller à cena do crime. Dois meses depois, em junho de 1997, Miller foi acusado de assassinato e roubo.

Mais tarde, em uma audiência preliminar para o julgamento, Williams voltou atrás em sua declaração original para a polícia, alegando que ele havia mentido para a polícia e colocado a culpa do assassinato em Miller porque os dois estavam em conflito.

O caso avançou mesmo assim.

No julgamento, que durou uma semana, Williams se retratou novamente, desta vez alegando que ele nunca havia feito a declaração. Miller foi considerado culpado mesmo assim e sentenciado à prisão perpétua.

Por mais de uma década, Miller interpôs mais de dez recursos em tribunais estaduais e federais e até a Suprema Corte dos EUA, os quais acabaram sendo negados porque seria trabalho do júri determinar a credibilidade das testemunhas, e não do tribunal.

O mais próximo que Miller chegou foi em 2003, quando teve direito a uma audiência em tribunal estadual a respeito de um de seus recursos. Williams, o homem que o culpou pelo tiroteio, escreveu uma carta para a mãe dele.

"Não posso viver com isso na minha consciência", escreveu Williams, segundo documentos judiciais. "Seu filho não tinha conhecimento desse crime, ele nem estava lá".

Williams apresentou o seu testemunho na audiência dizendo que foi ele quem atirou e matou Mullen em 1996. Williams alegou que foi em auto-defesa, que Mullen atirou contra ele durante uma discussão sobre dinheiro. Ele novamente voltou atrás em sua declaração original, alegando que havia mentido para a polícia.

Mas no fim, o recurso foi negado. No tribunal, Williams descreveu Mullen como um homem branco e baixo de jaqueta verde, quando na realidade a vítima era um homem alto e corpulento que usava vermelho na noite em que foi morto.

Williams se declarou culpado de perjúrio e foi condenado à prisão.

Anos depois, em outra carta para a mãe de Miller, Williams escreveu que ele entrou em pânico no tribunal e propositadamente descreveu Mullen de forma errada. Miller apresentou essa carta anexada a outro recurso, de acordo com documentos judiciais. O seu recurso foi negado novamente.

Em 2011, Miller finalmente conseguiu fazer com que alguém ouvisse.

O Pennsylvania Innocence Project foi fundado em 2009. Miller solicitou a ajuda deles e, no outono de 2011, Thomas Gallagher, presidente do Comitê Executivo da empresa de advocacia Pepper Hamilton LLP e promotor pro bono do projeto, aceitou assumir a luta de Miller.

Os detalhes do julgamento - as duas retratações - são o motivo pelo qual ele assumiu o caso.

"Eu não podia acreditar que um promotor se apresentaria a um júri com a evidência de que ele cometeu [o crime]", disse Gallagher. "E eu não podia acreditar que um júri o condenasse."

O desafio deles, no entanto, foi encontrar novas evidências não apresentadas no julgamento que poderiam fazer a diferença. Basicamente, disse Gallagher, eles tiveram que "escalar o Monte Kilimanjaro duas vezes". "É um fardo realmente muito pesado", disse ele.

Nos seis meses seguintes eles trabalharam, contratando dois agentes aposentados do FBI com os quais Gallagher trabalhou durante seu tempo como promotor distrital. Eles estudaram testemunhas antigas e entrevistaram todas as pessoas daquela época que talvez pudessem lançar uma nova luz sobre o caso.

Eles chegariam à vitória, finalmente, ao descobrir o que os tribunais chamam de "violações Brady". Batizadas após o caso emblemático da Suprema Corte Brady v. Maryland, elas ocorrem quando a promotoria falha em entregar para a defesa todas as evidências que poderiam exonerar o réu.

A primeira foi que Williams também compartilhou informações falsas com a polícia sobre outro assassinato não resolvido, disse Gallagher.

Além disso, Williams disse à polícia na década de 1990 que outro homem também ouviu Miller confessar o assassinato. Quando a polícia foi confirmar com o homem, ele disse que isso era impossível porque ele estava encarcerado na época do tiroteio.

Se a promotoria contasse à defesa sobre essa interação, os advogados de Miller também teriam a oportunidade de entrevistar o homem. Se eles tivessem feito isso, eles ficariam sabendo que, enquanto Williams e o homem estavam juntos na prisão, Williams disse que planejava colocar a culpa do assassinato de 1996 em Miller.

"Essa é a razão pela qual há uma obrigação constitucional de entregar essa informação", disse Gallagher. "Honestidade e justiça".

O Innocence Project fez o argumento das violações Brady no tribunal estadual, e a liberação foi negada a eles em todas as etapas. Apenas em 2016, depois de terem esgotado todas as suas opções no tribunal estadual, que os advogados de Miller puderam avançar os argumentos para o tribunal federal.

Três anos depois, em 12 de junho de 2019, um juiz magistrado julgou o caso. Desta vez, após duas décadas de luta, a decisão foi a seu favor. O juiz anulou a sentença de Miller e ordenou que ele fosse libertado da prisão dentro de 180 dias.

O Gabinete da Procuradoria Distrital da Filadélfia recusou a oportunidade de apelar ou julgar o caso novamente.

Na quarta-feira de manhã, um juiz de primeira instância concordou com a decisão do juiz do magistrado. Todas as acusações contra Miller foram retiradas.

Ele estava livre.

"Por muito tempo, promotores eleitos foram motivados por uma sede de condenação e pela cobertura positiva da mídia que geralmente ocorre, em vez de alcançar a verdadeira justiça para as jurisdições a quem devem servir", disse o procurador do distrito, Larry Krasner, em um comunicado. "Estou animado pela exoneração de John Miller e com o coração partido pelos anos e o potencial roubados dele."

A família e a equipe legal de Miller ligaram para ele na prisão para contar as boas notícias, depois eles embarcaram em um ônibus fretado para buscá-lo. Todos os meses, por mais de 20 anos, sua família - mãe e pai, irmão e irmã - fizeram o mesmo trajeto para visitá-lo. Desta vez, ele iria sair com eles.

Miller usou macacões de prisão por tanto tempo que ele não tinha certeza de seu tamanho para roupas comuns, então eles trouxeram uma sacola com muitas opções - diferentes camisas, sapatos e calças. Miller se trocou no banheiro de visitantes e saiu, vestindo uma camiseta do Pennsylvania Innocence Project.

Ele não estava com raiva, Miller disse a um repórter que testemunhou sua libertação. "Isso me fortaleceu", disse Miller.

O que acontecerá a seguir não está claro. Gallagher disse que quer que Miller aproveite a liberdade para depois falar sobre uma ação judicial.

Miller disse aos repórteres que queria um jantar com filé e levar sua sobrinha ao zoológico. Ele ficou fascinado, segundo um jornal local, pelo celular de seu irmão.

"Eu me sinto bem", disse Miller a um canal de televisão. "É surreal. Estou muito feliz".

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