Faltando pouco mais de cinco meses para as eleições presidenciais na Argentina, as primeiras pesquisas realizadas com os pré-candidatos apontam a liderança de três candidatos de direita. O candidato independente Javier Milei, que define a si mesmo como "ultraliberal", domina as análises, com uma pontuação entre 26% e 29%.
As consultorias Synopsis e Reale Dalla Torre entrevistaram cerca de 1,6 mil argentinos nas duas primeiras semanas de abril e constataram que, além de Milei, o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, aparece em segundo lugar na amostra, com uma taxa de intenção de voto entre 11% e 18%, seguido pela ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich, que ostenta uma variação entre 8% e 17%. Ambos disputam espaço na coalizão Juntos pela Mudança, de oposição ao atual governo de Alberto Fernández.
A Synopsis também divulgou um cenário no qual a ex-presidente Cristina Kirchner seria candidata pela esquerda na coalizão Frente de Todos, que enfrenta dificuldades para definir seu candidato e deve definir uma estratégia em um congresso no próximo dia 16. Neste cenário hipotético, onde Kirchner aceitasse a pressão para ser candidata governista, ela alcançaria cerca de 19% dos votos, segundo a consultoria.
Com uma inflação interanual que ultrapassa os 100% e uma grave crise econômica, a Argentina se prepara para enfrentar uma das eleições mais difusas de sua história, conforme avaliou o analista político Esteban Regueira em entrevista à Gazeta do Povo.
"Essa possível guinada à direita pode ser interpretada como uma canalização das frustrações da população com os resultados econômicos e sociais não atendidos pelo último governo e também com o vai e vem ideológico dentro da sociedade argentina nas últimas eleições, que foram muito polarizadas", explica.
"Após anos de ditadura militar, o voto jovem e rebelde na década de 90 foi para a centro-esquerda. Hoje, após 20 anos de governo progressista e de esquerda, as pessoas querem romper com o status quo novamente e a rebeldia neste cenário acaba sendo a aproximação com pautas conservadoras."
É neste cenário que prospera Javier Milei, líder das pesquisas e que se autodefine como um político libertário e anarcocapitalista. Sua proposta econômica mais famosa é a chamada "dolarização" da Argentina e a eliminação do peso como moeda, principal estratégia para lidar com a inflação de três dígitos e "dinamitar o Banco Central" argentino, retirando dos políticos do país o "poder de imprimir dinheiro".
Assessor político de carreira, o economista Javier Milei tem chamado atenção também por suas declarações inflamadas contra políticos tradicionais peronistas e até mesmo os ligados ao opositor Mauricio Macri, rejeitando alianças com qualquer uma das coalizões tradicionais, consideradas por ele "repugnantes".
Milei também chama atenção por defesas consideradas ultraliberais, que passam pelo direito de que cidadãos possam comercializar seus próprios órgãos e o fim do controle do Estado sobre este tema. "A minha primeira propriedade é meu corpo. Por que eu não poderia dispor dele?", propôs em uma entrevista ao canal Todo Noticias , no início deste mês, como uma forma de contornar a fila de pessoas aguardando por órgãos.
Além das questões econômicas, a segurança é um dos temas mais relevantes para os argentinos nas próximas eleições, já que os índices de criminalidade vêm aumentando. Segundo pesquisa divulgada pelo jornal Clarín com apoio da Reale Dalla Torre Consultores, o aumento do custo de vida é a principal causa de preocupação para 80% dos entrevistados. Em seguida, com 60%, vem a segurança pública. Nessa frente, destaca-se a ex-ministra de Mauricio Macri, considerada pela imprensa argentina como "linha dura" contra o crime.
Patrícia Bullrich defendeu a redução da maioridade penal para 15 anos, mudanças legislativas que permitam o exército atuar em questões nacionais, como o combate ao narcotráfico, e mais recentemente, a reivindicação do uso da arma modelo "taser" pelas forças policiais em espaços públicos - especialmente após a morte de uma policial, baleada em fevereiro deste ano em uma estação de metrô durante uma discussão com um dos passageiros. Em dezembro de 2019, o governo recém-empossado de Alberto Fernández revogou a política de uso de armas não letais, inclusive elétricas.
No entanto, para conquistar a Casa Rosada, Bullrich primeiro precisará vencer as primárias partidárias, disputando com o prefeito portenho Horacio Rodríguez Larreta. Até o momento, ele é o pré-candidato da coalizão Juntos pela Mudança mais bem posicionado nas pesquisas e é considerado um representante da centro-direita, acenando tanto ao eleitorado de centro quanto aos conservadores.
No ano passado, por exemplo, Larreta proibiu o uso da linguagem neutra nas escolas da capital argentina e, em janeiro, nomeou a ex-deputada nacional Cynthia Hotton, conhecida por sua militância contra o aborto, como presidente do Conselho Social de Buenos Aires.
No entanto, na avaliação de especialistas, a aposta centrista do prefeito e a falta de posicionamento claro em relação à economia podem mantê-lo estagnado nas pesquisas. Para chegar à presidência, ele terá que superar a rejeição a Macri (que terminou seu mandato em 2019 com altos índices de desaprovação), as rivalidades locais, com Córdoba e Mendonça, por exemplo, conquistando o eleitorado para além da capital e de suas alianças locais.
O analista político Esteban Regueira acredita que a corrida eleitoral argentina está em aberto e aponta dois principais cenários. Ele entende que a divisão entre três nomes na direita, ainda que de diferentes espectros, pode beneficiar uma possível candidatura única da esquerda caso o kirchnerismo escolha um herdeiro.
“Agora, se descartado o kirchnerismo, Larreta tem feito gestos para ampliar sua base eleitoral no interior, como o recente comício em Jujuy, e se mostrar como uma alternativa partidária menos dura do que Bullrich. Ele também pode prosperar no ‘medo de Milei’. Ao mesmo tempo, Larreta não mostra um plano econômico transparente", avaliou. "As chances reais de cada um deles vencer estão em aberto e vão depender do desenrolar do calendário eleitoral dos próximos meses”, pontuou.
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