Pela primeira vez na história recente da França, os dois principais partidos políticos poderão ficar simultaneamente de fora do segundo turno das eleições presidenciais. A cerca de um mês do pleito, as pesquisas de opinião descartam as presenças do candidato conservador François Fillon, dos Republicanos (LR, na sigla em francês), e do esquerdista Benoît Hamon, do Partido Socialista (PS), no duelo que definirá o sucessor de François Hollande. Segundo as sondagens, se as eleições fossem hoje, o embate final seria travado entre o centrista Emmanuel Macron, do movimento independente Em Marcha!, e a líder da extrema-direita Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN). À parte os prognósticos, analistas políticos apontam razões globais e nacionais para o atual descrédito junto ao eleitorado das duas tradicionais forças políticas que há décadas partilham o poder na França.
Em um espectro mais amplo, Michel Wieviorka, diretor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHSS), observa cenários similares em muitos países: crise e fragmentação dos sistemas políticos, marcadas pela decomposição dos grandes partidos clássicos de direita e de esquerda. “É um fenômeno mundial. Vemos uma tendência geral a uma direitização do eleitorado. E quando os partidos clássicos se decompõem, o que pode subsistir são os polos mais duros e radicais. Notamos isso muito claramente na França, onde o candidato da direita (Fillon) encarna uma direita dura, e o candidato da esquerda (Hamon) está mais à esquerda. Nesta situação, o populismo ganha, isto é, a recusa de mediação política”, diz.
Os candidatos
Marine Le Pen: à frente da extrema-direita
Lidera a Frente Nacional (FN), maior força de extrema-direita francesa. Com retórica agressiva, promete sair da zona do euro e cortar a imigração. Teve sua imunidade de eurodeputada suspensa.
Emmanuel Macron: um novo partido
Ex-ministro da Economia, concorre pelo partido que fundou, o Em Marcha!, baseado em políticas centristas. Usa as redes sociais para se mostrar como figura de forte contraponto aos rivais.
François Fillon: alvo de investigação
Ex-premiê é investigado por denúncias de que teria dado empregos fantasmas à mulher e aos filhos. Candidato dos Republicanos, adota plataformas conservadoras.
Benoît Hamon: ex-ministro em campanha
Membro da Assembleia Nacional e ex-ministro, o candidato socialista adota plataformas consideradas radicais por alguns. Defende criação da renda mínima universal e a legalização da maconha.
Jean-Luc Mélenchon: esquerda radical
Independente, o ex-ministro já se candidatou à Presidência, ficando no 4.º lugar em 2012. Lidera o movimento França Insubmissa e defende o aumento do salário mínimo e o fim da austeridade.
No plano nacional, o analista credita grande parte das dificuldades enfrentadas pelos dois partidos tradicionais aos últimos governantes do país, Nicolas Sarkozy (LR) e François Hollande (PS), que não teriam sabido “exercitar a democracia parlamentar”, privilegiando os poderes do Executivo no sistema presidencial francês. Sarkozy não conseguiu se reeleger em 2012, e foi eliminado no primeiro turno das primárias de seu partido. Hollande renunciou à briga por um segundo mandato, e deixará o governo com índices recordes de impopularidade. Além disso, Wieviorka ressalta a “permanente busca pelo novo”, característica dos tempos contemporâneos e estimulada pelas redes sociais. Na sua opinião, não há um desprezo francês pela política. “Os franceses são apaixonados por política, mas hoje sentem que a oferta não corresponde à sua demanda. Quando isso ocorre, alguns decidem se abster, outros optam por candidatos ‘antissistema’. É o sucesso de Marine Le Pen, de Emmanuel Macron ou de Jean-Luc Mélenchon (da esquerda radical)”, afirma.
Rejeição
Para o cientista político Romain Lachat, PS e LR estão atrás por uma conjunção de motivos: a escolha de seus candidatos nas primárias; os casos de corrupção revelados no campo da direita; o crescente descontentamento em relação aos partidos tradicionais, e o desejo por mudança e novas propostas. Le Pen repete uma linha de ataque em que procura desacreditar os partidos estabelecidos, acusando direita e esquerda tradicionais de se assemelharem e proporem as mesmas e velhas soluções. Lachat salienta que a rejeição das elites e da classe política tradicional é um traço comum dos partidos populistas em geral, seja na França, na Alemanha, na Holanda ou na Itália. “Não é um elemento novo, mas que encontrou uma ressonância maior este ano na combinação, por um lado, da decepção com a política e os resultados alcançados por Hollande e, por outro, das denúncias que envolvem a candidatura de Fillon (empregos fantasmas para a mulher e dois filhos). Essa percepção de incompetência das elites, que é exagerada na retórica política, encontra hoje um certo eco na população”, comenta.
Para o analista, o fato de os candidatos vencedores das primárias do PS e do LR não terem sido os esperados, mas aqueles situados à margem dos dois partidos, também colabora para o fraco desempenho das duas siglas nas pesquisas: “Na direita, Fillon é mais conservador, menos centrista do que Alain Juppé, visto, antes das primárias, como o candidato que teria mais chances de ganhar o pleito presidencial. E no PS, Benoît Hamon é marcado ideologicamente mais à esquerda do partido. Nos dois casos, há uma parte dos simpatizantes e dos eleitos dos partidos que não se reconhece nestes candidatos, e que apoiará nomes mais centristas, como Macron”.
Problemas sem solução
Nicolas Sauger, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), acredita que grande parte do eleitorado está farta dos partidos estabelecidos e de sua incapacidade em solucionar os principais problemas do país. “Principalmente o desemprego, não resolvido pelos partidos de direita e de esquerda desde os anos 1960. Há esta ideia de que o sistema está em esgotamento e que necessita de uma renovação de pessoas. Já vimos isso nos resultados das primárias. Há um desejo profundo de mudança do sistema político francês e de seu funcionamento”, afirma.
Segundo Sauger, a hipótese de Le Pen e Macron disputarem a reta final da eleição presidencial abriria um período de incertezas para a França, pois deixaria completamente em aberto o resultado do pleito legislativo, agendado para junho: “Com Le Pen e Macron no segundo turno, haverá poucas chances de que o partido do presidente eleito tenha maioria mesmo relativa na Assembleia Nacional”. Para Michel Wieviorka, o “perigo FN” é muito maior no Parlamento que na eleição presidencial. “Le Pen terá muitos deputados no Parlamento, entre 40 e 60 cadeiras, segundo estimativas. Se Macron for eleito, seus deputados formarão um conjunto bastante heterogêneo, e não se sabe como poderá governar. Se a direita ganhar as legislativas, precisará ainda fazer alianças. Vamos entrar em um período extremamente bizarro e complicado para a França, e temo que a Assembleia Nacional seja incapaz de funcionar convenientemente”, analisa.
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